Mulheres evangélicas: Uma igreja sem voz

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Dra. Valéria Cristina Vilhena (Facebook)

Em novembro, publicou um comunicado de imprensa sobre a pesquisa recente, que percebeu que no Brasil 40% das mulheres que sofrem a violência doméstica são evangélica.  

ALC  entrevistou a Valéria Cristina Vilhena, doutora em Educação e História Cultural. Mestra em Ciências da Religião. Fundadora da EIG-Evangélicas pela Igualdade de Gênero.

ALC: Conheceu através de meios de comunicação, alguns dados de um estudo de Universidade Presbiteriana Mackenzie sobre a violência de gênero no campo das igrejas evangélicas, voce tem uma pesquisa sobre o assunto. Diga-me sobre isso, os dados mais relevantes.

VV: Há alguns dias recebi muitas marcações nas redes sociais. Especialmente de pessoas que conheciam meu trabalho. Em geral perguntavam: não é esse o seu trabalho?

Quando fui pesquisar encontrei já virilizado em vários blogs, sites, facebooks, parte de minha pesquisa publicada em 2011, no livro: Uma Igreja sem Voz, pela Fonte Editorial. Boa parte do texto era citação deste meu livro, mas que indicava como fonte uma pesquisa do Mackenzie. Tentei localizar tal pesquisa nas páginas do Mackenzie, mas não encontrei.

Ao encontrar nosso trabalho virilizado, mas sem a fonte, duas preocupações nos surgiram e eu as tomo como legítima e importante para abrirmos um diálogo sobre a temática da violência contra as mulheres neste caso específico: 1ª a não citação de uma fonte de pesquisa não somente invisibiliza a autora da pesquisa, como pode indicar mais uma vez uma violência. Eu digo indicar, porque pode não ser somente ignorância ou má fé de quem, pela primeira vez publicou, mas mais uma violência contra as mulheres se procurarmos saber quais as motivações que levaram à omissão da fonte de pesquisa.

No entanto, como ainda estamos em processo de averiguação, levantamos a hipótese da intencionalidade da ocultação da autora exatamente por ser uma mulher e uma mulher que fala como protagonista, como mulher protestante pentecostal.

2º o uso ou o mal uso da leitura pode ser também perigoso na compreensão do fenômeno social da violência contra as mulheres. A pesquisa cita: “A violência doméstica é uma triste realidade no Brasil e uma pesquisa descobriu uma informação ainda mais alarmante: 40% das mulheres que se declaram vítimas de agressões físicas e verbais de seus maridos são evangélicas. A descoberta é resultado de uma pesquisa da Universidade Presbiteriana Mackenzie a partir de relatos colhidos por organizações não-governamentais (ONGs) que trabalham no apoio às vítimas desse tipo de violência.” (https://noticias.gospelmais.com.br/40-mulheres-sofrem-violencia-domestica-evangelicas-86697.html) No entanto, na minha pesquisa aponto que aproximadamente 40% das mulheres atendidas na Casa Sofia, um dos projetos da Igreja Católica Santos Mártires, se declaram evangélicas.

E então este site continua: ““Não esperávamos encontrar, no nosso campo de pesquisa, quase 40% das atendidas declarando-se evangélicas”, diz um trecho do relatório divulgado, de acordo com informações da Rede Super.”

Essa afirmação está no meu livro, logo no início, pois eu relatava minha surpresa quando da primeira visita ao campo de pesquisa, a Casa Sofia, a assistente social nos revelou a dificuldade em atender as mulheres evangélicas, dizendo que as mesmas resistiam mais à assistência oferecida no âmbito social-jurídico e psicológico e foi isso que passei a investigar.

Quem eram essas mulheres evangélicas e por que resistiam mais ao que a Casa Sofia oferecia para que pudessem ficar livres da violência sofrida.

A questão é que a pesquisa é uma amostragem, não é um índice exato das mulheres evangélicas brasileiras. Eu pesquisei e cheguei a tais conclusões a partir das mulheres evangélicas atendidas naquele período na Casa Sofia. Mas esse índice pode ser muito maior entre as mulheres evangélicas o que se aproximaria melhor das últimas pesquisas sobre a violência contra as mulheres na sociedade brasileira, pois as mulheres evangélicas não estão isentas dessa triste realidade brasileira na qual a cada 4 minutos uma mulher é agredida e dá entrada no SUS para receber atendimento e em só 13% dos casos o autor das agressões é um desconhecido.

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ALC: Mulheres evangélicas brasileiras se tornam vítimas e qual é o papel de suas comunidades de fé? Eles se atrevem a falar? Por quê?

VV – Nessa mesmo site outra citação sem a fonte é feita: ““A violência do agressor é combatida pelo ‘poder’ da oração. As ‘fraquezas’ de seus maridos são entendidas como ‘investidas do demônio’, então a denúncia de seus companheiros agressores as leva a sentir culpa por, no seu modo de entender, estarem traindo seu pastor, sua igreja e o próprio Deus”, denuncia o documento.”

Mais uma vez esse dado faz parte do meu livro e mais uma vez é importante atentarmos para o contexto. Nossa pesquisa aponta que não somente as mulheres de fé estão envolvidas como vítimas de violências, mas os homens de fé aparecem também como agressores, como seus violentadores, não somente quando é o agressor direto, mas também quando omite, encoberta, ou culpa a própria mulher que sofre a violência, bem como, quando utiliza o púlpito de sua igreja para “pregar” a submissão incondicional da mulher como vontade de Deus, quando sabemos que não passa de uma rede protetiva dos homens sobre os homens.

ALC: Na sua opinião, podemos dizer teologicamente e biblicamente apoiar as posições de líderes religiosos?

VV– Por fim esse site cita: “Os responsáveis pelo estudo ressaltam, no relatório, que as comunidades de fé onde essas mulheres que sofrem violência congregam precisam agir de maneira diferente: “O que era um dever, o da denúncia, para fazer uso de seu direito de não sofrer violência, passa a ser entendido como uma fraqueza, ou falta de fé na provisão e promessa divina de conversão-transformação de seu cônjuge”, constatam.”

Bom essa citação que deveria estar no singular porque é fruto da minha pesquisa e foi retirada do livro citado, nos indica claramente que tal teologia, o da submissão, aplicada em favor dos homens é fruto de uma construção cultural patriarcal e que serve, em especial, para a manutenção desse patriarcado – do machismo que está impregnado em nossa cultura. Precisamos lembrar que o cristianismo que vem para as Américas vem embasando uma colonização-exploratória-escravagista. Os europeus, especificamente os portugueses aqui no Brasil trouxeram na sua mala de viagem a bíblia e suas teologias, sua interpretação, seu modo de ver e viver no mundo e isso implicou em genocídio indígena, escravização dos negros, exploração de classe, misoginia, muitas, mas muitas violências em nome de Deus. E esse até há pouco tempo atrás era o cristianismo que a maioria de nós evangélicos conhecíamos especialmente os evangélicos pentecostais e neo pentecostais, faço esse recorte, porque ser meu berço.

ALC: Durante seu estudo, ele encontrou pastoras nas comunidades onde as mulheres são vítimas de violência? Pode-se dizer que não há diferença na forma como eles lidam pastoralmente casos?

Quando falamos de uma sociedade patriarcal estamos dizendo que todos e todas nós dela viemos. E, infelizmente, muitas vezes não nos reconhecemos oprimidas e violentadas; reproduzimos valores machistas na forma de educar nossos filhos e filhas, na hora de nos relacionarmos com os homens ou com outras mulheres, e assim por diante. Nesta pesquisa não encontramos pastoras, mas esposo pastor que violentava sua companheira. Todavia, no decorrer da nossa caminhada conhecemos pastoras com hermenêuticas feministas, libertadoras e também pastoras com as mesmas teologias medievais advindas das colonizações exploratórias que citamos acima.

ALC: As igrejas evangélicas no Brasil realmente se preocupam com a violência contra as mulheres ou acha que é uma questão que está “na moda”?

VV: Acima da nossa preocupação de termos nossa pesquisa sendo utilizada sem a devida fonte, nos aflige ainda mais pensarmos nas intenções de seu ocultamento como já mencionamos. E por quê?

Porque sobre a falta de citação podemos fazer reparações, mas a questão da violência contra as mulheres evangélicas está sendo de fato levada a sério pelos evangélicos brasileiros ou os mesmos estão somente seguindo “a modinha” para demonstrar que estão conectados com as questões de nossa sociedade, questões estas de gênero. Minha dúvida não é encarada de forma pessoal e, portanto não tem nenhum nome de blog ou site ou redator gospel específico, mas o tema me diz respeito, fala de mim, das minhas irmãs, das nossas mães, filhas que perfazem a maioria das igrejas evangélicas brasileira. E elas estão sofrendo violências. 405 mulheres e meninas dão entrada no SUS por agressão e eu arrisco lhe perguntar quantas delas responderiam ser ‘evangélica’, ao perguntarmos sobre sua religião.

Talvez nos surpreenderíamos porque estamos falando do que temos registro e o que não temos? As violências mais veladas, as psicológicas, as simbólicas, etc. Desse registro do SUS, a colunista Maria Frô, da Revista Fórum, dá muito mais detalhes, como, por exemplo, nos informando que a maioria desses atendimentos são meninas de 12-17 anos.

Uma boa parte dos evangélicos se sente representados politicamente pela bancada evangélica que juntamente com a bancada da bala e do boi uniram forças para a retirada das questões de gênero do Plano Nacional de Educação há dois anos. Estão os evangélicos realmente preocupados com a violência contra as mulheres em suas igrejas? Eu responderia que sim, mas realmente dispostos a resolver tenho minhas dúvidas.

 

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