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A análise é do ex moderador do Conselho Mundial de Igrejas (CMI) e ex-presidente da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), pastor Walter Altmann, em entrevista que concedeu ao Instituto Humanitas (IHU) da Universidade do Vale do Rio dos Sinos.
Altmann foi motivado na entrevista a comentar a abertura ecumênica do pontificado de Francisco, seus desafios e perspectivas. O pastor luteranos espera que o papa possa visitar a sede do CMI, em Genebra, o Patriarcado Ecumênico, em Istambul, e a cidade de Jerusalém, combinada com um significativo encontro de lideranças ecumênicas. Ele almeja, ainda, que no futuro possa ser praticada a hospitalidade eucarística em determinadas circunstâncias, como, por exemplo, nos encontros ecumênicos.
Walter Altmann é graduado em Teologia pela Escola Superior de Teologia – EST, de São Leopoldo, doutorou-se em Teologia Sistemática pela Universidade de Hamburgo, Alemanha, e atualmente leciona na Faculdades EST.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Quais as peculiaridades entre as igrejas católica, ortodoxa e protestante? Diante das suas diferenças, como estão caminhando e podem caminhar em direção ao ecumenismo?
Walter Altmann – As designações “ortodoxa”, “católica”, “protestante”, também “pentecostal”, denotam uma particular ênfase característica para determinadas confissões religiosas. Assim, as igrejas ortodoxas realçam a continuidade desde os tempos da cristandade primitiva; a Igreja Católica Romana, seu alcance universal; as protestantes, a fidelidade ao evangelho; as pentecostais, a ação permanente do Espírito Santo. Para o avanço do ecumenismo, é particularmente importante que as igrejas assumam que essas designações não são de forma alguma excludentes, mas, antes, complementares. Portanto, as diversas confissões cristãs refletem melhor a Igreja de Cristo (una, santa, católica, apostólica) quando se abrem à possibilidade de aprenderem umas das outras.
IHU On-Line – Há mais de dez anos a Igreja Católica e a Igreja de Confissão Luterana celebraram a Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação. Em que consiste este acordo e como ele tem refletido no diálogo ecumênico entre ambas?
Walter Altmann – A assinatura da Declaração Conjunta sobre a Doutrina da Justificação, em Augsburgo, Alemanha, em 31 de outubro de 1999, é o exemplo mais marcante do avanço do diálogo ecumênico em questões doutrinais, pois foi precisamente a divergência em torno da doutrina da justificação que esteve no cerne da divisão da cristandade ocidental no século XVI.
Segundo Lutero, trata-se do artigo de fé com o qual a Igreja “permanece ou cai”. Com formulações e ênfases diferentes, católicos e luteranos coincidem hoje em que a salvação é concedida por graça de Deus e que as pessoas por Deus agraciadas são também vocacionadas a efetuar boas obras, ou seja, obras de amor ao próximo.
As diferenças entre catolicismo e luteranismo que persistem hoje (particularmente na área da eclesiologia) são, por certo, importantes, mas de modo algum tão centrais quanto a doutrina da justificação. Se foi possível encontrar neste assunto uma convergência, de modo que tenha sido possível uma declaração conjunta, há de ser possível construir declarações conjuntas também em relação a outros tópicos de fé.
IHU On-Line – Como os protestantes têm interpretado o papado de Francisco em relação ao ecumenismo? Como o papa tem dado demonstração de caminhar nesta direção?
Walter Altmann – Entre os protestantes, que têm entre si uma diversidade bastante grande, predomina nitidamente uma impressão muito favorável do papa Francisco, bem como dos gestos e posicionamentos que ele tem apresentado. Isso se refere, em especial, à sua sensibilidade pastoral, sua preocupação com as pessoas pobres e em situações de vulnerabilidade, bem como sua humildade. Apreciam também os passos que está tomando no sentido de reforma de estruturas da Igreja Católica e ênfase na descentralização e na colegialidade.
O papa Francisco também tem afirmado o ecumenismo e o diálogo inter-religioso. Contudo, até o presente momento, esta não tem sido a marca mais distintiva de seu pontificado, provavelmente pela magnitude da tarefa que se tem proposto no interior da Igreja Católica. Na revalorização do legado do Concílio Vaticano II, que parece ser outra marca distintiva do atual papa, há a possibilidade de que o ecumenismo venha a recobrar força.
IHU On-Line – O que diferencia e aproxima o papado de Francisco com o de Bento XVI em relação a esta temática?
Walter Altmann – Bento XVI era bastante zeloso em relação a questões doutrinárias, inclusive disciplinando teólogos e teólogas que lhe pareciam incorrer em desvios doutrinários. O papa Francisco já indicou com clareza que enfocará essas questões a partir de uma perspectiva mais pastoral. Isso, sem dúvida, abre novas possibilidades para as relações ecumênicas, pois frequentemente as divergências doutrinárias entre as igrejas têm um pano de fundo de contextos históricos, culturais e, não poucas vezes, também políticos, sociais e econômicos. O reconhecimento dessa realidade possibilita reinterpretações que realcem a mensagem originária que é comum às diferentes tradições confessionais e, assim, também lhe conferem uma nova atualidade.
IHU On-Line – Entre as igrejas cristãs, quais sinalizam mais abertura em torno do diálogo ecumênico?
Walter Altmann – Não é possível especificar e quantificar a abertura em relação ao diálogo ecumênico por confissões, pois mesmo naquelas igrejas, digamos, do ramo protestante, mais comprometidas com o ecumenismo, há também forças ou movimentos internos que são mais reticentes ou mesmo antagônicos ao movimento ecumênico. Em algumas igrejas nacionais, essa tendência tem até se tornado predominante. Também na Igreja Católica e nas igrejas ortodoxas há setores e movimentos avessos ao ecumenismo, embora o posicionamento oficial das igrejas lhe seja favorável.
Pode-se, porém, dizer que, entre as igrejas protestantes, as ditas “históricas”, como as luteranas, as reformadas (calvinistas) e as metodistas têm tido um protagonismo mais saliente no ecumenismo moderno. O mesmo vale para as igrejas anglicanas.
Já as igrejas pentecostais têm colocado ênfase na expansão missionária, sendo o diálogo e a cooperação com outras igrejas colocados em segundo plano ou até mesmo rechaçados como contrários ao evangelho. Contudo, a crescente fragmentação do espectro pentecostal tem suscitado, mais e mais, uma preocupação com a “unidade”, que em verdade é também o âmago do ecumenismo.
IHU On-Line – Com o papado de Francisco, que ações vislumbra em direção ao movimento ecumênico?
Walter Altmann – O papa tem recebido amigável e fraternalmente líderes de outras igrejas e religiões. Contudo, fazer neste momento previsões no sentido da pergunta seria mera especulação. Posso expressar algumas esperanças. Seria, por exemplo, um gesto de grande repercussão ecumênica se o papa Francisco se dispusesse também a visitar o Conselho Mundial de Igrejas – CMI em sua sede, Genebra, ou o Patriarca Ecumênico em Constantinopla, Istambul. Igualmente, uma visita a Jerusalém, combinada com um significativo encontro de lideranças ecumênicas, teria um alto significado.
Nutro também a esperança de que os resultados de diálogos bilaterais e multilaterais, que têm chegado a notáveis convergências e consensos em muitos assuntos controversos, possam ser levados criativamente para a prática. Almejo que a hospitalidade eucarística possa ser praticada em determinadas circunstâncias, por exemplo, em encontros ecumênicos. Uma regulamentação mais flexível e pastoral em relação a matrimônios mistos também seria desejável.
IHU On-Line – Qual deve ser a participação das igrejas cristãs em temas como a superação da pobreza e a garantia dos direitos humanos? De que maneira e através de quais ações as igrejas podem participar desses debates?
Walter Altmann – Esta é uma área em que tradicionalmente tem havido entre as igrejas uma acentuada cooperação. A eficácia da “voz profética” das igrejas aumenta na medida em que elas podem assumir em conjunto temas como os mencionados, da superação da pobreza e da garantia dos direitos humanos. O Conselho Mundial de Igrejas, em sua recente assembleia, em Busan, Coreia do Sul, abordou de forma especial assuntos relacionados à justiça e à paz.
Já a Federação Luterana Mundial – FLM realizará sua próxima assembleia em 2017 (nos 500 anos da Reforma) em Windhoek, Namíbia, enfocando em seu tema e subtemas que nem a salvação, nem o ser humano, nem a criação podem ser objetos de comercialização (not for sale). Nessas áreas temos hoje um grande consenso entre as diferentes confissões cristãs.
IHU On-Line – Deseja acrescentar algo?
Walter Altmann – Faço votos de que o papa Francisco tenha pleno êxito em seus empreendimentos, que as reformas sejam eficazes, e, por conseguinte, a credibilidade da Igreja Católica se fortaleça, que seus gestos de dedicação aos pobres inspirem o povo e autoridades políticas ao redor do mundo, que ele persevere corajosamente no caminho que traçou e que os laços de fraternidade com outras igrejas cristãs sejam estreitados.

 

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