Pastor Silas Malafaia é entrevistado por O Globo

Desinformação e discurso de ódio. Diz apoiar Marina Silva, mas sua intolerância afasta votos. Magali Cunha avalia a entrevista

Foto: Facebook

Em entrevista ao GLOBO, o pastor Silas Malafaia confirma que vai apoiar Marina Silva (PSB) em um provável segundo turno, se ela não “levar logo agora”. O líder religioso também afirmou que a presidente Dilma Rousseff e o PT estão dando um “tiro na cabeça” ao tentarem agradar segmentos diversos da sociedade e desafia os ativistas pelas causas homossexuais a elegerem mais deputados do que os evangélicos. Na manhã desta terça-feira, Malafaia publicou seu apoio a Marina Silva, no segundo turno, em sua conta pessoal no Twitter.


O senhor declarou que vai apoiar o Pastor Everaldo (PSC) no primeiro turno e Marina Silva (PSB) no segundo. Por que apoiar Marina somente em um segundo momento?

Se duvidar, nem vai para o segundo turno. Marina leva logo agora. Quem for contra a Dilma, eu também sou. Sou amigo do Everaldo há 30 anos, sou um homem de palavra, meu voto é dele. Mas quem deve ir para o segundo turno é Marina. Por isso, meu voto é dela em outro momento.O que o senhor achou da mudança do programa de Marina?
Veja quem são os incoerentes. O programa da Marina não contempla tudo que acredito. Só porque eles fizeram uma correção, os ativistas gays falaram que não vão apoiar. Eles que são intransigentes. Ideologicamente, tudo o que ativismo gay for a favor, eu sou contra. Quem é que trouxe o debate? Chamem Aécio, Dilma e Marina e eu desafio que eles tenham lido seus programas inteiramente. Delegaram para suas equipes. O PSB-LGBT ficou responsável por essa parte e exageraram. Aí, provavelmente, voltaram para discussão do grupo e foi modificado. Ainda assim, os direitos para os gays lá (no programa de Marina) ainda estão grandes e eu não concordo com eles. O programa dela não tem nenhuma linha do pensamento cristão mas tem dez para os gays. Os intolerantes são eles. Quem não quer dialogar são eles (os ativistas gays).E sobre o anúncio de que a presidente Dilma Rousseff prometeu expandir os benefícios da Igreja Católica para as evangélicas?
Estão dando tiro e vão acertar a cabeça deles mesmos. Acendem uma vela para Satanás e uma para Deus. Olha a incoerência: querem retomar a PLC 122 (projeto que criminaliza a homofobia). Ele já foi discutido e foi demonstrado o monte de aberração jurídica que existe nele. Depois que conseguimos derrubar isso, querem retomar? O PT não fez isso nesses 12 anos de governo. Anunciam que vão retomar este projeto e ao mesmo tempo prometem benefícios para as igrejas evangélicas? Dilma e o PT acham que pastor é otário e evangélico é idiota. Vão tomar um surra histórica nessas eleições. Covardes. Hipócritas. É o poder pelo poder.

O senhor virou uma figura central nessas eleições…
Não sou falso humilde e nem penso que sou “o cara”. Minhas opiniões são as mesmas que grande parte da população mas isso não quer dizer que eu a represento. Cerca de 25% a 27% da população é evangélica, segundo dados do IBGE de 2010. Os católicos praticantes, que nestes temas que defendo pensam iguais a nós, são mais de 20%. Já deu a maioria. Marina não é minha candidata. É candidata do povo. Eu interpreto o pensamento dessa maioria.

A campanha está se tornando moral?
O maior escândalo de corrupção é do PT. Então é moral! Deste ponto de vista, é moral! É o esgotamento de poder de um partido político. Repito: quem for contra a Dilma, eu também sou contra. Pode ser Marina, Aécio, Everaldo, Levy… Só se for Dilma contra Luciana Genro que voto nulo.

O que te agradou na candidatura de Marina?
A postura de Marina. A Marina diz que não é candidata para reeleição mas para deixar um legado. Ela não pode mentir depois. Outra coisa é o fato dela não negar o passado. Quer dizer que o PSDB e o PT não fizeram nada de bom? Fizeram. Não tem como ter distribuição de renda sem estabilidade econômica.

O posicionamento dos candidatos em relação a essas questões pode definir a eleição?
Em uma sociedade livre, as pessoas podem buscar suas convicções políticas em qualquer lugar. Essa ideia, por exemplo, de estado laico, que nós apoiamos, é um jogo muito malandro da esquerda. Nosso modelo ocidental é judaico-cristão. Tudo nele é judaico-cristão. Uma coisa é a religião, outra coisa é a ideologia. É um jogo ideológico de oposição poderoso. Quem disse que Marx é melhor que Jesus? Nós vamos eleger a maior bancada evangélica da história. Os ativistas gays que elejam seus representantes para que estas questões sejam discutidas lá (no Congresso).


O NEOCONSERVADORISMO EVANGÉLICO: UMA AVALIAÇÃO DA ENTREVISTA
Por Magali do Nascimento Cunha
A entrevista é o retrato do pastor e do lugar que ele ocupa no quadro do neoconservadorismo predominante no cenário evangélico. O termo conservadorismo é usado aqui no sentido da ciência política referente a posições alinhadas com a manutenção (contrária a mudanças) de determinada ordem sociopolítica, econômica, institucional, ou de crenças, usos e costumes de uma sociedade. O conservadorismo dos evangélicos no Brasil não é dado novo, diante da formação deste segmento cristão no século XIX baseada no fundamentalismo bíblico, no puritanismo e no sectarismo. Muito se transformou nestas bases ao longo do século XX, emergiram grupos abertos à atuação social, ao ecumenismo, mas o conservadorismo sempre foi predominante entre os evangélicos. Foi ele que provocou a omissão das igrejas frente à implantação da ditadura militar no Brasil (1964-1985) e também tornou possível o alinhamento de boa parte das lideranças evangélicas com o governo de exceção.
Nos anos 2000 temos uma nova face do conservadorismo religioso, um neoconservadorismo, que emerge como reação a transformações socioculturais que o Brasil tem experimentado, em especial a partir dos anos 2002, com a abertura e a potencialização de políticas do governo federal voltadas para direitos humanos e gênero. O “neo” se deve à visibilidade mais intensa de lideranças evangélicas que se apresentam como pertencentes aos novos tempos, em que a religião tem como aliados o mercado e as tecnologias, mas que se revelam defensoras de posturas de um conservadorismo explícito. Lideranças midiáticas se fortalecem na esfera pública, como o pastor da Assembleia de Deus Vitória em Cristo Silas Malafaia, o pastor do Ministério Tempo do Avivamento (Assembleia de Deus) deputado federal Marco Feliciano (PSC-SP), o senador sem-igreja Magno Malta, cantores gospel e novas celebridades religiosas. Além da visibilidade midiática que as transforma em autoridades/referências religiosas que ultrapassam até mesmo os arraiais evangélicos, essas pessoas têm em comum, discursos de rigidez moral e de conquista de poder na esfera pública.O conservadorismo evangélico explícito dos anos 2010 parece estar dentro de um contexto de fortalecimento de posturas conservadoras na esfera pública brasileira. Um desdobramento dos dados de pesquisa eleitoral realizada pelo Datafolha em outubro de 2013 revelou que a maior parte dos brasileiros se identifica com valores de direita. A separação foi feita com base nas respostas dos entrevistados a perguntas sobre questões sociais, culturais e políticas, como a pena de morte e o papel dos sindicatos na sociedade. Dos entrevistados, 38% foram classificados como de centro-direita, 26% de centro-esquerda, 22% de centro, 11% de direita e 4% de esquerda.Em acordo com o que o Datafolha indica vários analistas sociais têm sugerido que uma tendência política tradicionalista em questões morais e sociais, defensora da liberdade individual e do livre mercado está em ascensão no Brasil. O sucesso de políticos como os deputados Marco Feliciano e não-religioso Jair Bolsonaro, de partidos como o Social Cristão (PSC), que lançou candidato o Pastor Everaldo (Assembleia de Deus) à presidência da República, e de celebridades religiosas como o pastor Silas Malafaia é elemento emblemático. Com discursos dentro do ideário da moral cristã (contra o aborto e o controle da natalidade e pelo tratamento psicológico a homossexuais) e de princípios caros ao liberalismo na política e na economia (Estado mínimo e elogios ao livre mercado), essas personagens têm captado apoios para além do círculo religioso com o mote “é preciso salvar a família”. Na visão destas lideranças a família está sob a ameaça dos movimentos civis por direitos sexuais e enfrentamento da violência sexual, reforçados pelas ações do governo federal, desde que o Partido dos Trabalhadores (PT) assumiu em 2002 com abertura de mais espaços para legislação que responda a essas demandas. Alguns apelos ainda tomam como ingrediente uma possível ameaça de o comunismo tomar conta do Brasil. Segundo esses discursos, este seria o verdadeiro propósito do governo do PT em nível nacional.

Todo este processo tem a mediação das mídias, que historicamente têm um alinhamento com valores e políticas conservadoras, dado o perfil dos seus proprietários, e que, pelo menos na última década, em especial na cobertura noticiosa, tem dado amplo espaço para analistas e comentaristas defenderem abertamente essas perspectivas, como é o exemplo de Arnaldo Jabor, Alexandre Garcia e Merval Pereira, nas Organizações Globo; Reinaldo Azevedo, na revista Veja; José Luiz Datena e Boris Casoy, no Grupo Bandeirantes; Marcelo Rezende, na Rede Record; Luiz Pondé, a TV Cultura; e mais recentemente, Rachel Sheherazade, no SBT. Soma-se neste quadro elemento significativo: a identificação de não poucos casos de racismo em estádios de futebol e em inúmeras postagens em redes digitas. São movimentos da dinâmica sociopolítica e religiosa que vão marcar novas tendências e merecem ser acompanhados nos tempos por vir.

A entrevista do pastor Silas Malafaia em O Globo ainda tem um elemento que vale a pena destacar. O líder religioso ganha espaço também jogando forte com um discurso enganoso e as mídias caem na armadilha. Segundo o pastor Malafaia nos registros do IBGE, 25-27% de evangélicos mais 20% de católicos praticantes apoiam as posições conservadoras defendidas por ele, e por tabela, pela candidata do PSB à Presidência da República Marina Silva, a quem ele registra apoio num eventual segundo turno. O engano é tratar os evangélicos como um grupo monolítico: não são conservadores na totalidade, bem como não votam com Marina Silva na totalidade. Retórica enganosa que as mídias repetem sem correção.

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