Aluno expulso da escola por usar guias de candomblé?!

Antonio Carlos Ribeiro

A situação com um estudante de 12 anos proibido de frequentar as aulas por usar guias de candomblé é completamente absurda, desrespeitosa e baseada na ignorância da lei por quem deveria conhecê-la. A atitude preconceituosa da diretora da escola da Rede Municipal de Ensino. O adolescente mudou de escola após a coação e impedimento de assistir as aulas.

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Foto: José Pedro Monteiro / Agência O Dia

Com apenas 12 anos, seu desacato à desinformação da diretora consistiu em usar guias de candomblé – a religião que decidiu seguir há dois meses – sob o uniforme. A prática faz parte de sua iniciação, na qual deve permanecer por três meses. A diretora sequer imagina que a proibição imposta ao menino de entrar na unidade é um ato de discriminação, passível de processo civil. Ainda que por simples inépcia.

O ato – defrontar-se com um agente do Estado que o impede de usar prerrogativas legais asseguradas pela Constituição e legislação específica – gerou tal impacto, que ele submeteu-se à agressão simbólica, ficando mais de um mês sem frequentar a Escola Municipal Francisco Campos, no Grajaú. Rita de Cássia, mãe do menino, explicou que a diretora desinformada tinha avisado que não permitiria a presença dele usando ‘guias do candomblé’. Nesse caso, o ato é discriminatório de uma religião histórica brasileira.

O adolescente cidadão-discriminado tentou voltar à escola no dia 25 de agosto, mas foi impedido novamente de assistir as aulas, segundo a família. A razão é que a diretora – sem ter-se dado ao trabalho de ler a legislação, ainda desinformada – não admitia as guias por baixo da camisa do uniforme, proibindo o estudante de entrar na escola. A alegação dela – em perspectiva demencial, por não distinguir objeto litúrgico de indumentária – é que o aluno estava usando roupas ‘fora do padrão adequado’.

A mãe do estudante – com maturidade aparentemente superior à da funcionária pública autoritária – disse que sabia apenas da obrigatoriedade do uso da camisa com o logotipo da prefeitura, informação básica que faltava à professora. Segundo Rita de Cássia, outros alunos usavam boné, bermudas e calças de outras cores, além de tênis coloridos na mesma ocasião em que o filho sofreu o ato discriminatório. “A diretora colocou a mão no peito do meu filho e disse que ele não entraria com as guias, que estavam por baixo da camisa”, disse Rita.

A diretora não quis falar com a imprensa, claro. A Secretaria Municipal de Educação limitou-se a explicar que a diretora alegou que houve um “mal entendido”. Explicação mais que corriqueira quando um funcionário comete ato discricionário na condição de agente do poder público.

O adolescente passou a frequentar outra escola municipal no mesmo bairro, sem ser incomodado por causa das guias e bermuda branca. No entanto, o ato de constrangimento e discriminação o deixou envergonhado, sem querer estudar na antiga escola. Segundo a mãe, ele se sentiu “julgado” pelos colegas e responsáveis que presenciaram o ato no portão da escola. Ainda mais grave. Por causa da ‘diretora’, o adolescente chegou a ficar três dias com febre e chorou convulsivamente.

O fato não chega a surpreender numa cidade como o Rio de Janeiro em que o Ensino Religioso, que adota o modelo Confessional Pluralista, criado e aprovado pela Câmara Municipal do Rio de Janeiro, sem embasamento na legislação e nem tipificação na Teologia e nas Ciências da Religião, é a forma conservadora possível de lidar com a realidade plural num ambiente em que poder público e religioso se imiscuem desde a ‘questão religiosa’ quando o Imperador Pedro II mandou prender dois bispos e o Congresso os condenou a trabalhos forçados na década de 1870.

Agora falta o Supremo Tribunal Federal julgar uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) proposta pela Procuradoria Geral da República para decidir se o responsável pela educação religiosa dos filhos é a família, a instituição religiosa ou o Estado. Na prática, a decisão será se o Estado passará a ser laico, como previsto na Constituição de 1891, se continuará privilegiando uma religião ou se passará a ser multi-religioso, obrigando os órgãos públicos a ostentarem todos os símbolos das religiões praticadas por seu povo.

Esta é a questão de fundo. A providência imediata pode ser informar aos funcionários públicos.

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