Não é honra, é crime – Uma reflexão sobre os crimes de honra

CONIC-
Todo este texto se poderia resumir a uma frase: queimar uma pessoa até morte [ou matá-la de qualquer outro jeito] não é um ato de honra, é sim um ato criminoso. Mais uma vez chega-nos do Paquistão uma história de horror que tem como base os chamados ‘crimes de honra’: com a ajuda do filho mais velho, uma mãe amarrou a filha (foto abaixo) de 16 anos a uma cama, regou-a com gasolina e queimou-a até à morte. À porta de casa, os outros membros da família impediam os vizinhos de lá entrarem para travarem o crime. No fim, a matriarca saiu de casa, bateu com os punhos no peito e gritou: “Matei a minha filha por ter dado mau nome à nossa família!”.
Zeenat Bibi 234567
Zeenat Bibi – queimada viva pela mãe no Paquistão
O suposto “crime” da filha, Zeenat Bibi, foi ter casado em segredo com o rapaz que amava desde miúda, contra a vontade da família. Família que, quando descobriu que a união estava irremediavelmente feita, lhe garantiu que a iria aceitar. Mas que antes fazia questão de dar uma festa. Primeiro, a jovem teve medo. Depois confiou na palavra de um tio mais velho, que supostamente estava a arquitetar todo o plano secreto e criminoso que devolveria a honra à família. Quando a jovem regressou a casa dos pais para preparar a boda, o que encontrou foi o caminho para a morte. Pelas mãos da própria mãe e irmão.
Mulheres são as principais vítimas

Infelizmente, os crimes de honra não são raros no Paquistão. Aliás, números revelados no fim de abril mostram que em vez de diminuírem, nos últimos anos este têm vindo a aumentar. Ou, pelo menos, a denúncia dos mesmos às autoridades subiram. De acordo com a Comissão para os Direitos Humanos do Paquistão, só no ano passado 1096 mulheres (e 88 homens) foram mortas por familiares que acreditavam que estas tinham desonrado o nome da família. Quase 200 destas vítimas eram menores de idade. Em 2013, foram cerca de 870 mulheres mortas. Números demasiado elevados – embora devam ser apenas a ponta do icebergue -, que continuam a contar com a proteção de uma lei deficitária e incompreensível, que permite que o perdão familiar dado ao criminoso em casos destes seja o suficiente para que justiça não seja feita. E cuja alteração o Parlamento insiste em chumbar.

Num país que é considerado um dos mais perigosos do mundo para uma mulher viver, em muitos casos a palavra feminina ainda pouco conta no que toca a escolher o seu destino. A lavagem cerebral para a honra da família como um bem maior começa desde cedo. Homens e mulheres são educados para acharem normais estes crimes, como se fossem de alguma forma aceitáveis e justificáveis. Daí o peso do perdão familiar em tribunal. Como diria a irmã da moça que há uns anos foi baleada pelo pai e atirada a um rio dentro de um saco plástico: “Depois do que ela fez, o que é que ela estava à espera?”. Neste caso, o seu “crime” foi também ter recusado as ordens da família sobre com quem deveria ou não casar. Ao contrário de Zeenat, esta rapariga sobreviveu e a sua história deu azo ao documentário “A Girl in The River – The Price of Forgiveness”, vencedor de um Oscar.

O que diz a lei islâmica

A lei islâmica se refere aos crimes de honra dentro do capítulo de trata da retaliação, ou seja, quais crimes são sujeitos à punição. A referência é o manual de lei islâmica Umdat al-Salik, da Universidade Al-Azhar, do Cairo (Egito), a autoridade de maior prestígio no Islã sunita.

Retaliação na Lei Islâmica
1.1 Retaliação é obrigatória contra qualquer um que mate um ser humano intencionalmente e sem direito.
1.2 As ações abaixo não estão sujeitas a retaliação:
(2) um muçulmano por matar um não-muçulmano;
(4) um pai ou uma mãe (ou seus pais ou suas mães) por matarem seus filhos ou netos.
Repare este item (4). O problema deixa de ser cultural. A religião o perpetua. Os pais que matarem seus filhos não sofrem punição segundo a lei religiosa. E o entendimento acaba se extendendo às esposas por serem elas propriedade dos homens.
Crimes de honra são uma epidemia

A exemplo da violência doméstica, os casos de crime de honra geralmente passam sem serem noticiados ou passam sob os olhares negligentes das autoridades, notadamente quando estes crimes ocorrem fora dos centros urbanos. Por exemplo, o site Stop Honor Killings traz algumas estatísticas. Na província paquistanesa de Sindh, apenas no segundo semestre de 2011, dentre os quase 500 crimes de violência contra a mulher, 22% foram de mulheres mortas por honra.

Estatísticas altas são também reportadas para outras províncias (SHK), sendo que os criminosos não sentem remorso algum (SHK). Na Turquia, um relatório publicado em 2008 disse que um total de 1.985 mulheres foram mortas em dois anos, o que faz quase 3 mulheres por dia (Hurriyet), alcançando a marca de mil nos sete primeiros meses de 2009 (SHK). Na Jordânia, a jornalista, feminista, e defensora dos direitos humanos, Rana Husseini, escreveu uma série de reportagens sobre os crimes de honra na Jordânia. Resultado: ela é acusada de ser anti-família, anti-Islã e anti-Jordânia (PBS).

Riffat Hassan, um professor aposentado da Universidade de Louisville e especialista do Alcorão, escreve que “a cultura islâmica tem reduzido muitas mulheres, se não a maioria delas, da posição de marionettes a posição de criaturas escravas cujo único objetivo na vida é o de satisfazer as necessidades e prazeres dos homens.” (SHK)

“Eu prefiro morrer a perder a minha honra… Toda a nossa vida está fundamentada em honra. Se nós perdermos a honra, nós não temos vida, nós nos tornamos como suínos. Se nós perdermos a nossa honra, nós somos como suínos. Nós não somos melhores que os animais.”
Estas foram as palavras de Sirhan, 35 anos, entrevistado em um documentário da TV ABC “A Honra Perdida de Sirhan.” Ele serviu uma sentença de 6 meses na Jordânia após ter matado a sua irmã que tinha sido vítima de estupro, em 2003. (SHK)
Semântica machista
No Oriente Médio a palavra “honra” tem duas traduções: “namus” e “sharaf” (“seref” em turco). A honra feminina revolve em torno de conceitos negativos a passivos: estoicismo, resistência, obediência, castidade, vida em família e servidão. A honra masculina é baseada em conceitos ativos e positivos: dinamismo, generosidade, confiança, domínio e violência.
Sendo passiva, a honra feminina é estática: ela não pode ser reconquistada; se perdida uma vez, ela se perde para sempre. A honra masculina, por outro lado, aumenta ou diminui em função da sua participação na sociedade. Então, quando a mulher perde a sua honra (namus), os seus irmãos, pai e tios igualmente perdem a sua honra (sharaf), que apenas pode ser reconquistada através de um mostra de domínio (SHK).

Crimes de honra sendo exportados

Um total de 2.823 ataques em defesa da honra ocorreram em 2010 na Grã-Bretanha, reporta o grupo Organização dos Direitos das Mulheres Iranianas e Curdas (IKWRO). Estes números incluem sequestros, mutilações, agressões e assassinatos (Telegraph). No Canadá, aumenta o número de crimes de honra, um fenômeno incompreensível para as famílias canadenses (Vancouver Sun). A blogueira americana Pamela Geller mantém um registro minucioso de casos de crime de honra: Islam’s War on Muslim Mothers, Daughters, Sisters.

Porque crimes de honra acontecem

Os motivos são os mais diversos, mas revolvem quando filhas se recusam a obeceder os pais:

– Ao se negarem a se submeter a casamentos arranjados (o caso de Noor Al-Maleki, morta nos EUA);
– Ao assumirem comportamento ocidental (exemplo das três filhas da família Shafia, mortos no Canadá);
– E ao se negarem a seguirem o Islão (exemplo do saudita da Commissão para Promoção da  Virtude e Prevenção do Vício, na Arábia Saudita, que matou sua filha por ela ter se convertido ao cristianismo). Neste caso, ela também cometeu o crime de apostasia.
Mas existem casos também de maridos que matam as esposas. Por exemplo, o caso do executivo da estação de TV Bridges, nos EUA, que decepou a cabeça de sua esposa. O curioso é que o objetivo desta estação de TV era o de combater a imagem negativa e os preconceitos contra a comunidade muçulmana. A esposa havia pedido o divórcio seis dias antes.

Origem nas sociedades tribais

O professor Akhavan, da Universidade McGill, no Canadá, afirma: “crimes de honra têm as suas raízes nas sociedades tribais – antecedendo ao Islão, Cristianismo e Hinduísmo – onde fidelidade a tribo e honra eram práticas culturais importantes.” Um ponto interessante na citação do professor Akhavan é que ele se refere a “sociedades tribais.” Um fato que se observa em muitos países onde Islão se instala é um fenomeno chamado de “tribalização.”

Tribalização se manifesta quando pessoas de um grupo social se agrupam em comunidades exclusivistas; quando começam querer impor seus padrões aos demais; e quando os problemas da comunidade passam a ser resolvidos pelo chefe local da “tribo”, geralmente um imã ou um sheik. A partir daí, a prioridade passa a ser com a Ummah (a nação do Islão) e não com o país que os acolhe. Em plena Inglaterra, o problema da Sharia já tem chamado atenção das autoridades. Não há um interesse em se observar apenas as leis do Parlamento, pois a Sharia é que seria “uma lei mais pura”. Um Relatório de abril de 2015 (leia ele aqui) afirma que “a crescente influência da lei da Sharia na Grã-Bretanha de hoje está debilitando o princípio fundamental de que deve haver igualdade para todos os cidadãos britânicos sob a única lei do país.”

Palavras Finais

Num mundo onde se busca direitos iguais a todos, é inconcebível que ações desse tipo continuem sendo perpetradas em seus locais de origem. Também é simplesmente inadimissível que sejam exportadas ou relativizadas. Não pode haver tolerância para quem quer se impor pela intolerância. O pastor americano, líder na defesa dos direitos civis, Martin Luther King, disse a célebre frase: “O que me preocupa não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons”.
noor al maleki 4567
Noor Al-Maleki – atropelada propositalmente pelo pai nos EUA
Que a sociedade não permaneça inerte a este respeito, ou veremos, cada vez com maior frequência, repetirem-se os casos como o da jovem Noor Al-Maleki: com apenas 20 anos de idade (foto acima), ela foi atropelada, arrastada e morta pelo próprio pai, um imigrante iraquiano residente nos EUA. Ele não aceitava o relacionamento dela com o namorado. O pai assassino, que guiava um Jeep Grand Cherokee, não se importou com nada, nem com as lei americanas, afinal, em seu raciocínio, matar a própria filha era a coisa certa a se fazer.
 
CONIC com informações de Agências e da Blogosfera
Obs.: os quatro primeiros parágrafos são de Paula Cosme Pinto (Expresso PT)
Fotos: Reprodução

 

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *