“É impossível ser cristão não estando aberto ao diálogo”, diz primaz anglicano

Crédito da Imagem: Joka Fotos

BRASIL-

Buscando animar as celebrações da Semana de Oração pela Unidade Cristã, o bispo primaz da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB), Naudal Gomes, escreve carta falando sobre a importância do diálogo para a fé cristã. “É na caminhada de diálogo, acolhida, hospitalidade e respeito as diferentes tradições e religiões que fortalecemos nossa fé e nossa identidade como gente comprometida com os fundamentos do Reino de Deus”. Ele defende ao longo do texto que “é impossível ser cristão não estando aberto ao diálogo”. E aí, você concorda?

Confira, a seguir, o texto na íntegra:

Procurarás a justiça, nada além da justiça. (Deuteronômio 16, 18-20)

Desde meu tempo de juventude, atualmente celebro quarenta anos de ordenação, tenho tido diferentes experiências na caminhada ecumênica e inter-religiosa e, por onde passei, liderando comunidades anglicanas, animei o povo da igreja a se somar nessa experiência. É na caminhada de diálogo, acolhida, hospitalidade e respeito as diferentes tradições e religiões que fortalecemos nossa fé e nossa identidade como gente comprometida com os fundamentos do Reino de Deus.

Nessa relação reconhecemos nossas limitações e fragilidades, que são muito semelhantes a dos demais, como também reconhecemos nossas fortalezas e as coisas boas que nós mesmos e os demais possuem. Assim, aprendemos uns com os outros, enriquecemos nossa experiência de fé e vida.

É impossível ser cristão não estando aberto ao diálogo, a parceria, a caminhada comum. A fé em Jesus, de quem nos dizemos discípulos e discipulas, exige de nós essa atitude e ação. Alguns dizem que muitos se reúnem somente na Semana da Unidade, ou se reúnem somente para orar. Mas, devemos nos alegrar com a oportunidade que temos de nos reunirmos para orar juntos. A oração comum ecumênica, será o primeiro passo para desafios maiores da prática cristã, nos gestos de solidariedade, na luta por justiça e direitos, que são fundamentos do entendimento bíblico do que seja o Reino de Deus.

Novamente temos a oportunidade de nos comprometermos com a Semana de Oração da Unidade Cristã, como sempre na semana que antecede a Festa da Pentecostes, em 2019, de 02 a 09 de junho. Semos inspirados/as com a liturgia preparada por cristãos da Indonésia que, olhando sua realidade e contexto, nos brindam com a passagem de Deuteronômio: “procurarás a justiça nada além da justiça” (Dt 16: 18 – 20).

O texto e a mensagem bíblica escolhida responde ao sentimento e avaliação que as pessoas cristãs da Indonésia fizeram da sua realidade. A atitude deles é a mesma encontrada nos profetas bíblicos e na própria atitude de Jesus diante de sua realidade. A vida das pessoas individualmente e suas relações sociais e institucionais interessam a Deus pois irão expressar quão perto ou quão distante estarão dos fundamentos daquilo que a Bíblia se refere como fundamentos do seu Reino, e a “justiça” é um desses fundamentos.

Em Deuteronômio, inspiração para 2019, a preocupação está diretamente relacionada com o judiciário, sua ética, sua lisura e suas sentenças. Nesse contexto, juízes serão escolhidos para que “julguem o povo com sentenças justas”, que ajam de tal forma para que “não pervertam o direito, que a lei seja igual para todas as pessoas. Não aceitem suborno pois este cega e falseia a causa dos justos”. E, no verso 20, concluiu “busque somente a justiça”. Dessa forma, agindo dessa maneira, tendo esse comportamento, “buscando somente a justiça”, tomem posse da terra prometida. A posse da terra prometida está relacionada com a prática da justiça. Sem justiça esta não existirá, sua posse ficará prejudicada. Ficar sem a terra prometida será o mesmo que renunciar a Deus.

Acredito que nossas irmãs e irmãs que nos inspiram com esse texto desejam que nós mesmos, em nosso contexto social, político e religioso no qual vivemos em nosso país, reflitamos sobre o que nos cabe fazer como pessoas de fé. A semelhança deles, nossa realidade não é muito diferente. A corrupção tem alcançado índices alarmantes em diferentes níveis e instituições sociais e isso tem trazido descrédito e desalento, a ponto de não acreditarmos mais nelas. Esse sentimento nos leva a atitudes individualistas e perigosos como a tentação de “fazer justiça com as próprias mãos”, que sabemos, não contribuiu para o diálogo, para a paz e, muito menos, para que a justiça reflita o desejo e sonho de Deus para nossa vida nesta “terra prometida”.

Na Semana de Oração pela Unidade Cristã somos animados, desafiados a nos desacomodar do “conforto” do nosso aconchego institucional, para nos juntarmos a outros irmãos e irmãs, para orar juntos. Nossa oração comum deve ser, em primeiro lugar, uma oportunidade para ouvir a palavra e vontade de Deus para nós, enquanto indivíduos e instituições cristãs. E, certamente, Deus falará para nossa vida, para nosso contexto, para nossa realidade. Certamente ouviremos de nosso Deus: “procurem a justiça, nada além da justiça” (quem tem ouvidos para ouvir, ouça!).

Por que “procurar a justiça e nada além da justiça”? Porque temos aprendido da Palavra de Deus que ela é um dos fundamentos do seu Reino, porque “ela se abraça com e beija a paz”, porque assim buscaremos, com todo o nosso ser, viver a “terra prometida” aqui e agora.

Desejo e oro para que a Semana de Unidade Cristã nos reúna para oração comum, mas que, por outro lado, fortaleça nossa atitude e palavra profética, de anuncio e denuncia, e busquemos viver o amor fraternal e a solidariedade da justiça do Reino.

Naudal Gomes
Bispo Diocesano da Diocese Anglicana do Paraná e Primaz da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil

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