O separar das águas: Brasil e EUA vs Europa

Andressa Anholete / Getty Images

PORTUGAL-

Paulo Mendes Pinto-

São dois universos mentais totalmente antagónicos. Num, foi a ciência que esteve na base das decisões; noutro, foi o senso comum e a subalternização do conhecimento especializado

Perante a tremenda imaginação que as televisões têm de ter para preencher grelha nos telejornais, a mim já só me interessa, pelas 13h, aquele pequeno bocadinho em que me confirmam que os novos casos em Portugal são na casa do 1%, ou abaixo! É o longo caminho para se sair do confinamento, a longa espera pelos números reveladores da eficácia das medidas de contenção.

Seguimos o caminho de outros países, como a Áustria, que já há alguns dias voltou a ter os seus cidadãos com o cabelo cortado e pintado, fruto da abertura dos cabeleireiros. Ainda não chegámos a esse momento, estamos quase, mas ainda nos dividimos, nas reuniões pelo Zoom, entre os gadelhudos e os que não resistiram e usaram o aparador de barbar para um corte de cabelo mais radical.

E os ditos telejornais hoje dividem o seu conteúdo em dois universos opostos. Por um lado, um grupo de países que vão retomando as atividades, fruto dos bons resultados de semanas de confinamento; e outro, como o Brasil e os EUA, a abrirem, mas sem os ditos números mágicos. São dois universos mentais totalmente antagónicos. Num, foi a ciência que esteve na base das decisões; noutro, foi o senso comum e a subalternização do conhecimento especializado.

Mas o drama que continuaremos a ver nesses países é muito grande. Abrir a sociedade, por razões económicas, antes de controlada a pandemia, apenas irá criar mais morte e medo. Os números nestes países são avassaladores e nada parece modificar as políticas dos dois Chefes de Estado, secundados e dando resposta a uma parte significativa da população que está com eles, que com eles é da mesma vontade, do mesmo egoísmo e da mesma irresponsabilidade.

São como que dois universos que já antes se pressentiam e que hoje nos surgem claramente distintos. Estas duas formas de viver a pandemia, mais que instrumentos de medição de situação civilizacional, são imagem da forma como se encara a realidade: um lado com realismo e pragmatismo, recorrendo a especialistas, o outro, com idealismo ingénuo, esperando que uma providência atue e proteja, tentando controlar os fluxos informativos e demonizando quem não concorda com essa visão.

Este quadro só é possível, seja de um lado, ou do outro, com base no mesmo elemento: um ensino generalizado e assente no método científico. A diferença é que, de um lado do Atlântico, com as diferenças inevitáveis entre países e culturas, esse sistema tornou-se regra e, hoje, toda a população compreendeu o que, e porque o fazer. Do outro, não; não apenas o ensino não é generalizado, como em parte significativa não é assente na valorização da ciência, mas sim da fé mais obscurantista e pré-moderna.

Separaram-se as águas. Só falta que a União Europeia consiga usar esta desgraça para se fortalecer e tornar o projeto europeu, integrando as diferenças de cada cultura, mais sólido e ligado aos cidadãos.

Fuente: https://visao.sapo.pt/opiniao/ponto-de-vista/2020-com-virus/2020-04-30-o-separar-das-aguas-brasil-e-eua-vs-europa/

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