Desafios emergentes no Dia Nacional da Liberdade Religiosa

PORTUGAL-

Comunicado do Observatório para a Liberdade Religiosa (OLR) no Dia Nacional da Liberdade Religiosa e do Diálogo Inter-religioso.

Os investigadores do OLR saúdam e celebram o Dia Nacional da Liberdade Religiosa e do Diálogo Inter-religiosa, com uma reflexão sobre as consequências da pandemia na prática religiosa. Registe-se, para memória futura, a forma discernida como, genericamente, os grupos religiosos se adaptaram em Portugal ao confinamento e, agora, ao desconfinamento – grande parte antecipou as medidas do Estado de Emergência. Apesar de episódicas situações que revelaram e revelam comportamentos inadequados face às recomendações das autoridades de saúde, houve e há um sentido de cidadania e responsabilidade, prevenindo a aglomeração que pode alastrar a pandemia de Covid19. Foram semanas de provação para todas as comunidades religiosas. Voltamos a recordar o caso das comunidades cristã e judaica, que atravessaram o calendário muito sensível, quer da Quaresma e da Páscoa, quer da Pessach, e da comunidade islâmica que viveu sem oração comunitária os dias no Ramadão. O que, à primeira vista, pode parecer apenas uma atitude óbvia de cumprimento das recomendações, reveste-se, na prática religiosa, de uma gravidade simbólica. A dimensão sagrada da prática quotidiana “é a essência da «prática» religiosa, da afirmação da pertença através do estar e do ser parte oficiante do culto” (1).

Nas semanas do confinamento prevaleceu a atitude socialmente racional, apesar do tempo comunicacional ter ampliado ansiedades apocalíticas e de incerteza, que, em certa medida, se mantém e, dependendo do ângulo de leitura, até se agudizaram. Os espaço vazios de gente são agora lugar de um cenário paradoxal, em que máscara, distanciamento físico e desinfeção contrariam, necessariamente, o sentimento de segurança e confiança que caracteriza a presença em grupo para celebrar a fé. “O constrangimento continuará a ser sentido na vivência comunitária, com impacto nas comunidades religiosas, onde dimensões como o afeto, a partilha ou a proximidade física são características, nalguns casos até carismaticamente determinantes” (2).

No regresso à sociabilização, os crentes reencontram “o tempo do templo e da comunidade” (3), mas há novos desafios à prática religiosa. Como noutras dimensões da vida coletiva e individual, o que se espera é que não seja o medo a desenhar as reações, mas a razão.

Por um lado, “nada pode substituir o calor humano, a interacção entre pessoas diferentes, a relação interpessoal, quando estamos frente a frente com os outros, olhos nos olhos”, e a prolongarem-se “indefinidamente as medidas de confinamento profiláctico” as comunidades religiosas enfrentam consequências na sustentabilidade económica e “uma eventual desumanização, o que seria preocupante” (4). Por outro, “o respeito pela Liberdade Religiosa, implica o respeito para com a integridade e a saúde de cada um. “Seria de uma dramaticidade tremenda a necessidade de uma futura segunda confinação devido a uma indevida gestão deste processo” (5).

O compromisso da retoma “deve ser assumido pelos ministros de culto e responsáveis, sintonizados com recomendações das autoridades locais, de saúde e segurança, admitindo, por exemplo, a adaptação de rituais e a manutenção das experiências digitais testadas nas semanas do confinamento, com potencial para se tornarem definitivas. Chegando também a multidões de «não-praticantes», temos assistido a inúmeras alternativas, no campo digital, das comunidades e de cada indivíduo para colmatarem a distância. E, embora seja ainda cedo para quantificar e qualificar, sabemos já que o aumento desta oferta digital no campo religioso promoveu, consequentemente, adesões novas e diferentes. Só o retorno à normalidade clarificará se são apenas transitórias plataformas num momento extraordinário, ou se vão fixar-se como novas redes de pertença, reinventando a experiência religiosa, complementando ou até concorrendo com o convencional encontro comunitário presencial” (6). 

As ferramentas digitais reconstroem afetos e modelos de relação, desenhando novas comunidades e grupos de pertença, com inevitável impacto na prática religiosa. As consequências sociais apelam, ainda, à persistência da solidariedade e caridade, reforçando as redes de solidariedade e entreajuda que caracterizam as comunidades religiosas. Este “desconfinamento” progressivo exigirá, assim, apoios em rede, das autarquias e do estado central, facilitando, se tal for solicitado e necessário, a sustentabilidade e as logísticas de segurança, para a frequência dos espaços religiosos e para o trabalho de intervenção solidária.

“Entre a consciência e a inconsciência, não nos entreguemos à sorte. A dor é individual, enquanto a ameaça é coletiva” (7). 
Sediado na área de Ciência das Religiões da Universidade Lusófona, o OLR é composto por um grupo de investigadores, empenhados em analisar proativamente o fenómeno e a vivência religiosa, e que intervêm no espaço público da opinião e da reflexão.

(1) https://visao.sapo.pt/opiniao/ponto-de-vista/2020-com-virus/2020-04-21-regresso-ao-sagrado/
(2) Comunicado OLR de 20 de abril 2020  
(3) https://sicnoticias.pt/opiniao/2020-04-15-Uma-pergunta-a-pratica-religiosa-quanto-do-que-estamos-a-viver-se-tornara-definitivo-
(4) https://visao.sapo.pt/opiniao/ponto-de-vista/2020-05-13-fe-comunidade-e-qualidade-de-vida/
(5) https://visao.sapo.pt/opiniao/ponto-de-vista/2020-com-virus/2020-04-21-regresso-ao-sagrado/
(6) https://sicnoticias.pt/opiniao/2020-04-18-O-mais-dificil
(7) https://jornaldemafra.pt/2020/05/27/cronica-de-alexandre-honrado-amar-em-tudo-cada-um/

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