Solidariedade com as Católicas: “A vida das mulheres é maior do que qualquer forma de totalitarismo”

Nota de Solidariedade da COP de Género de ACT Alianza e de Campanha Tire os Fundamentalismos do Caminho com as Católicas pelo Direito de Decidir que foi proibida pela Justiça de São Paulo de usar a palavra “católicas” no nome. 

Nos inspiramos em Svetlana Aleksiévitch e seu livro “A guerra não tem rosto de mulheres”, em que a autora, ao longo de sua reflexão, lembra
que “o ser humano é maior do que a guerra. Mais adiante, ela pergunta: “o quanto há de humano no ser humano e como proteger este
humano em si, ou, poderíamos perguntar, como proteger o ser humano de si mesmo.

Compreendemos que a afirmação “a vida das mulheres é maior do que qualquer forma de totalitarismo” expressa nossa inconformidade e, ao
mesmo tempo, temor frente à decisão do desembargador José Carlos Ferreira Alves, que atendendo ao pedido da organização Católica
“Associação Centro Dom Bosco de Fé e Cultura” (ACDBFC), determinou que a ONG Católicas pelo Direito de Decidir retire o termo “católicas” do
seu nome em até 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 1 mil.

O argumento que fundamenta esta decisão é o de que a organização Católicas pelo Direito de Decidir, que está presente em vários países e que
foi criada por mulheres cristãs católicas, leigas defendem o direito ao aborto, nos casos já previstos em lei, além de desenvolver um projeto de
implementar uma agenda progressista e anticatólica. Segundo a decisão, a atuação das Católicas pelo Direito de Decidir está em contradição
com a doutrina Católica Romana que compreende que a vida precisa ser defendida desde a concepção.

Reconhecemos divergência sobre a compreensão do tema “direitos sexuais e reprodutivos” por parte da ACDBFC em relação aos trabalhos da
organização Católicas pelo Direito de Decidir. No entanto, discordamos da judicialização das divergências intra-religiosas.

A decisão do desembargador José Carlos Ferreira Alves, fere o princípio da laicidade do Estado, que garante que o Estado não interfira de forma
arbitrária nas organizações religiosas, a não ser que estas, se utilizem da religião para promover discriminação e violência. Portanto, o Estado
dizer se o adjetivo “católicas” pode ou não servir de identificação é arbitrário.

As únicas que podem dizer se são ou não católicas são as próprias
mulheres que participam desta organização, conforme o princípio de auto-atribuição religiosa, conforme a Constituição. Não é atribuição do
Poder Judiciário decidir a pertença religiosa desta ou daquela organização, desta ou daquela pessoa.

O cristianismo, como qualquer tradição religiosa, é plural. Assim como o conjunto da sociedade, existem inúmeras compreensões e elaborações
teológicas sobre um mesmo tema que se contradizem. Esta diversidade de compreensões é identificada desde as comunidades cristãs primitivas.

Algumas eram mais restritivas em termos comportamentais e em relação às mulheres, outras mais inclusivas. Outras compreensões se alinham
à cultura patriarcal e a projetos colonialistas. Muitas mulheres foram mortas por causa das compreensões patriarcais em relação a elas.

Toda pessoa praticante de uma das inúmeras expressões do cristianismo irá procurar viver de forma coerente com as elaborações doutrinais e
dogmáticas de sua tradição. Isso é justo. No entanto, não cabe que uma determinada compreensão doutrinária seja imposta, pelo Estado, ao
conjunto da sociedade. Esta prática está no cerne do debate público sobre direitos sexuais e reprodutivos e tem sido o responsável pela morte de
inúmeras mulheres.

Compreendemos que esta decisão é reflexo do contexto em que vivemos, caracterizado por um Estado totalitário, em termos econômicos,
políticos e religiosos. Dimensões da fé cristã tem sido ideologicamente manipuladas para atacar e restringir políticas públicas para mulheres e
afastá-las cada vez mais dos espaços de participação social e política. A vida das mulheres é sempre o alvo preferencial dos totalitarismos e isso
não tem sido diferente no Brasil.

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