Capitulo Brasil: Relatório Mundial 2021 da Human Rights Watch

Foto: Mídia Ninja

O presidente Jair Bolsonaro tentou sabotar medidas de saúde pública destinadas a conter a propagação da pandemia de Covid-19, mas o Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso e governadores defenderam políticas para proteger os brasileiros da doença.

O governo Bolsonaro tem enfraquecido a fiscalização ambiental, na prática dando sinal verde às redes criminosas envolvidas no desmatamento ilegal na Amazônia e que usam a intimidação e a violência contra os defensores da floresta.

O presidente Bolsonaro acusou, sem qualquer prova, indígenas e organizações não governamentais (ONGs) de serem responsáveis pela destruição da floresta. Ele também fez ataques a jornalistas.

Em 2019, a polícia matou 6.357 pessoas, uma das maiores taxas de mortes pela polícia no mundo. Quase 80 por cento das vítimas eram negras. As mortes causadas por policiais aumentaram 6 por cento no primeiro semestre de 2020. Faz parte do Relatório Mundial 2021, capítulo Brasil.

Relatório Mundial 2021, a 31ª revisão anual da Human Rights Watch das práticas e tendências de direitos humanos em todo o mundo, analisa os desenvolvimentos em mais de 100 países.

O relatório reflete o trabalho investigativo que a equipe da Human Rights Watch realizou em 2020, geralmente em estreita parceria com ativistas de direitos humanos no país em questão. Também reflete o trabalho de o equipe de defesa de direitos, que monitora o desenvolvimento de políticas e se esforça para persuadir governos e instituições internacionais a coibir abusos e promover os direitos humanos.

O relatório: https://www.hrw.org/pt/world-report/2021/country-chapters/377397#5362d4

COVID

O Brasil teve 5,4 milhões de casos confirmados de Covid-19 e 158.969 mortes até 29 de outubro. Brasileiros negros tiveram maior probabilidade do que outros grupos raciais de apresentarem sintomas consistentes com Covid-19 e de morrerem no hospital. Entre outros fatores, os especialistas atribuíram essa disparidade às taxas mais altas de informalidade entre trabalhadores negros, impedindo muitos de trabalharem de casa, e à prevalência de doenças pré-existentes.

O acesso insuficiente a cuidados de saúde e a prevalência de doenças respiratórias ou outras doenças crônicas deixaram indígenas particularmente vulneráveis a complicações decorrentes da Covid-19. A Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) registrou 38.124 casos e 866 mortes de indígenas por Covid-19 até 29 de outubro.

Em junho, o Congresso aprovou um projeto de lei obrigando o governo a fornecer atendimento médico emergencial e outras formas de assistência para ajudar indígenas a lidarem com a pandemia. O presidente Bolsonaro o vetou parcialmente, mas o Congresso derrubou vetos. Em julho, o Supremo Tribunal Federal ordenou ao governo Bolsonaro que elaborasse um plano de enfrentamento da Covid-19 para povos indígenas.

Com instalações superlotadas, pouca ventilação e cuidados de saúde inadequados, as prisões e unidades socioeducativas no Brasil reuniam condições favoráveis a surtos de Covid-19.

Em dezembro de 2019, mais de 755.000 adultos estavam privados de liberdade, excedendo a capacidade máxima do sistema prisional em cerca de 70 por cento, de acordo com o Ministério da Justiça. As prisões contavam com um médico clínico general para cada 900 detidos e um ginecologista para cada 1.200 mulheres encarceradas.

O governo Bolsonaro não tomou medidas para reduzir  a superlotação das prisões, mas o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão que supervisiona o funcionamento do sistema judiciário, recomendou aos juízes que reduzissem prisões provisórias durante a pandemia e considerassem a saída antecipada de alguns presos. Em resposta à Covid-19, até 16 de setembro, juízes tinham autorizado quase 53.700 presos a cumprirem a pena em prisão domiciliar, de acordo com dados oficiais obtidos pela Human Rights Watch.

Em julho, o presidente Bolsonaro vetou um artigo de um projeto de lei exigindo o uso de máscaras em unidades prisionais e centros socioeducativos, mas o Supremo Tribunal Federal concluiu que o veto não atendeu ao trâmite processual e restabeleceu o artigo da lei. A corte também ressaltou a “precariedade estrutural” das políticas de saúde nas unidades prisionais e socioeducativas em sua decisão.

De acordo com o CNJ, cerca de 46.210 presos e servidores tinham contraído Covid-19 e 205 tinham falecido até 26 de outubro.

O CNJ também pediu aos juízes que reavaliassem as medidas socioeducativas para adolescentes em conflito com a lei durante a pandemia. Após essa recomendação, o número de jovens e adolescentes em unidades socioeducativas caiu para cerca de 14.600, com base em dados de inspeções por autoridades judiciárias obtidos pela Human Rights Watch. Ainda assim, pelo menos 38 unidades do sistema socioeducativo excediam sua capacidade máxima em até 90 por cento em meio a pandemia.

Em agosto, o Supremo Tribunal Federal determinou a juízes que acabassem com a superlotação em unidades do sistema socioeducativo, inclusive aplicando medidas alternativas à internação em meio fechado.

Pessoas com deficiência confinadas em instituições de acolhimento correm maior risco de contrair Covid-19 devido à superlotação e a condições de higiene geralmente precárias, embora a falta de dados centralizados torne impossível avaliar o impacto do vírus. Em maio, a Secretaria Nacional de Assistência Social pediu às autoridades locais que considerassem alternativas à institucionalização e adotassem medidas contra a Covid-19 nas instituições.

Meio ambiente e direitos dos povos indígenas

Redes criminosas que, em grande parte, são responsáveis pelo desmatamento ilegal na Amazônia continuaram a ameaçar e até mesmo a matar indígenas, moradores locais e servidores públicos que defendem a floresta.

Entre 2015 e 2019, mais de 200 pessoas foram mortas no contexto de conflitos pelo uso da terra e de recursos na Amazônia—muitos delas por pessoas supostamente envolvidas no desmatamento ilegal—segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Na grande maioria desses casos, os responsáveis não foram levados à justiça.

Desde que tomou posse em janeiro de 2019, Bolsonaro enfraqueceu a fiscalização das leis ambientais. Em abril de 2020, após uma operação bem-sucedida de combate ao garimpo ilegal, o governo exonerou três servidores que ocupavam os cargos mais importantes na área de fiscalização do Ibama, principal órgão de proteção ambiental do país.

Em outubro de 2019, o Ministério do Meio Ambiente adotou novos procedimentos estabelecendo que as multas ambientais não precisam ser pagas até que sejam revistas em uma audiência de conciliação. Os agentes de fiscalização ambiental emitiram milhares de multas desde então, mas apenas cinco dessas audiências tinham sido realizadas até agosto de 2020.

Em maio de 2020, o governo transferiu a responsabilidade de liderar os esforços de combate ao desmatamento da Amazônia dos órgãos ambientais para as forças armadas, apesar de sua falta de expertise e treinamento.

O desmatamento na Amazônia cresceu 85 por cento em 2019, segundo dados do DETER, um sistema de alertas do governo federal. De janeiro a setembro de 2020, o desmatamento caiu 10 por cento, mas o número de fogos atingiu o nível mais alto em dez anos.

O fogo havia queimado mais de um quarto do Pantanal, a maior planície inundável do mundo, até outubro de 2020, a maior destruição em mais de duas décadas. A Polícia Federal e os promotores acreditam que grandes proprietários de terras atearam fogo à vegetação ilegalmente para limpar terras para o gado.

A poluição do ar causada por queimadas tem um grande impacto sobre a saúde pública. Um estudo da Human Rights Watch, do Instituto de Estudos para Políticas de Saúde (IEPS) e do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) constatou que milhões de pessoas foram expostas a níveis nocivos de poluição do ar devido às queimadas na Amazônia em 2019, resultando em cerca de 2.195 internações hospitalares.

O Presidente Bolsonaro chamou as ONGs que trabalham na Amazônia de “câncer” que ele não consegue “matar” e as acusou, sem nenhuma prova, de serem responsáveis pela destruição da floresta amazônica. Ele também culpou os povos indígenas e caboclos pelo fogo na Amazônia.

Em setembro de 2020, o ministro do meio ambiente solicitou a um tribunal federal que pedisse explicações a um importante defensor do meio ambiente sobre comentários criticando o ministro, uma medida aparentemente destinada a intimidar o defensor. Em outubro, a imprensa noticiou que o governo Bolsonaro teria enviado agentes do serviço de inteligência para espionar a delegação brasileira, ONGs e outros participantes na Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática em Madri, em dezembro de 2019.

Em 2019, danos e invasões de territórios indígenas para explorar seus recursos aumentaram 135 por cento, de acordo com o Conselho Indigenista Missionário, organização sem fins lucrativos.

Em fevereiro de 2020, o Presidente Bolsonaro enviou ao Congresso um projeto de lei para abrir territórios indígenas ao garimpo, hidrelétricas e outros projetos com grandes impactos ambientais. O projeto de lei ainda tramitava até a elaboração deste relatório.

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