8 de Março e a Pandemia

Por Valéria Vilhena-

Há mais de um século, mulheres na Rússia, Estados Unidos e Europa se organizaram coletivamente com greves, manifestações para os enfrentamentos contra as desigualdades, contra a hierarquia de poder, contra esse sistema de guerra contra a vida. Em 1917, em meio a Primeira Guerra Mundial, as mulheres russas realizaram seu Dia da Mulher, que no calendário ocidental era 8 de março! Mas muito antes, aqui na América Latina, mulheres indígenas e negras, quilombolas, ribeirinhas, castanheiras, do campo e da cidade já estavam em luta pela vida contra a colonização que dizimava o sustento, os territórios-corpos.

E nós mulheres de fé e luta continuamos esse legado das nossas ancestrais de Abya Ayla e África. E nesse 8 de março, com a pandemia global temos ainda muitas pautas em comum com as mulheres que vieram antes de nós. Nessa pandemia metade das mulheres brasileiras passou a cuidar de alguém, conforme evidenciado na pesquisa da Gênero e Número e da Sempreviva Organização Feminista a qual revelou, como essa “crise econômica versus isolamento social” é um falso discurso. Não há honestidade política quando se cria oposição às recomendações de isolamento social em meio a uma pandemia global, em nome de: “a economia não pode parar”; se faz necessário dar condições para esse isolamento social necessário, especialmente às mulheres.

O trabalho de nutrir, cuidar da vida nunca parou e nem poderia parar. São cuidados que sustentam a vida, os quais foram intensificados na pandemia. O que ocorre é que esses trabalhos não são valorizados, visibilizados, não são considerados produtivos nesse sistema capitalista, que é máquina de moer gente, a natureza e seus seres. As políticas econômicas do país resistem em possibilitar o cuidado com a própria vida. E as mulheres em meio a pandemia do COVID-19 ficaram mais sobrecarregadas com as tarefas do cuidado. Nessa mesma pesquisa foi apontado que 41% das mulheres entrevistadas responderam que estavam trabalhando mais do que antes da quarentena.

Esse dado desvela a dimensão da vida que não é absorvido ou medido pelo acúmulo de renda que perpetua as desigualdades. O mercado se sustenta, inclusive, pela exploração do trabalho das mulheres, especialmente mulheres negras e, sobretudo do trabalho não remunerado das mulheres, que é o de nutrir a vida. Mas o que é a vida para a economia que privilegia o mercado? 

Luiza Batista, presidenta da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas e do Sindicato das Domésticas de Pernambuco afirma:

“Apesar de saberem que os empregadores estão abusando, elas se sentem pressionadas a cumprir essa exigência [de continuar trabalhando] porque dependem dessa renda para alimentar os filhos e para manter a casa.”

E vejam, 58% das mulheres desempregas são mulheres negras. São as desigualdades raciais e de renda atravessando a vida e o trabalho das mulheres na crise da COVID-19. Reconheçamos que são as mulheres que estão no centro do cuidado da vida e por isso esse trabalho é desvalorizado.

Como mulheres de fé e luta precisamos anunciar que o reino de Deus é semelhante “ao fermento que uma mulher misturou com uma grande quantidade de farinha, e toda a massa ficou fermentada”. (Lucas 13,20-21) A quantidade de fermento é pouca, mas dissolvida e misturada na massa faz crescer. A ação histórica das mulheres, embora invisibilizada, negada, desvalorizada, desprezada e até demonizada faz crescer a massa, faz o pão, mata a fome. Enquanto a opressão, a desigualdade para se manter, mata, o fermento nas mãos das mulheres estimula, desperta, excita para a vida! 

Mais um ano de luta, de resistência, mais um 8 de março que as mulheres de fé se movimentam nesse sistema que é sustentado pela exploração e morte de tantas mulheres. Vamos criar cada vez mais redes de apoio para esse tempo de lonjura, distanciamentos; criemos redes de amor e compromisso que nos façam esperançar para dias melhores, dias mulheres!

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Valéria Vilhena é teóloga, feminista, cristã. Engajada no movimento ecumênico, é parceira do CONIC em várias atividades que envolvem mulheres e empoderamento. E é uma das fundadoras do coletivo Evangélicas pela Igualdade de Gênero (EIG).

Publicado por CONIC

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