Curso de Incidência Política: A Comunidade da Linha e a luta contra o despejo em Recife

BRASIL-

Ao longo dos 30 anos em que vive na Comunidade da Linha, no bairro Ibura, em Recife, Terezinha Francisca de Jesus vem sendo um dos grandes pilares de força e resistência da localidade. Na ausência do poder público, ela conta que já cedeu sua casa para reuniões, receber encomendas e correspondências de vizinhos/as e até mesmo para coleta de material para realização de exames, pois não há um posto de saúde na região.

Hoje, após anos de luta e muita dedicação para trazer melhorias para a comunidade, ela é uma das/os  mais de 700 moradoras/es que correm risco de serem despejadas/os e terem suas casas destruídas devido a um processo movido pela Transnordestina S.A.. A empresa obteve a concessão da malha ferroviária do Nordeste em 1997 e agora reivindica a reintegração de posse de uma área em volta da linha férrea que corta a comunidade.

O caso da Comunidade da Linha é um dos que serão discutidos no Curso de Incidência Política, realizado pela CESE em parceria com a AATR – Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais e com apoio de Misereor. O curso integra o Virando o Jogo, programa de apoio ao fortalecimento de organizações nas áreas de mobilização de recursos locais e incidência política, e acontece virtualmente ao longo do mês de agosto, girando em torno da temática do direito à cidade.

Numa tentativa de enfraquecer movimentos e respostas a essa tentativa de despejo, a empresa decidiu mover o processo em cinco casos separados na Justiça. Entre eles, existem entendimentos diferentes acerca do tamanho das áreas que devem ser desocupadas ao redor da linha férrea, variando entre 6 e 21 metros. O menor deles ameaça 155 residências, enquanto o maior atingiria 210.

A renda mensal de 75% das famílias que vivem na área abrangida pelos 21m é menor do que um salário mínimo, de acordo com pesquisa socioeconômica realizada pela própria comunidade para ser integrada aos processos na Justiça. Dessas pessoas, mais de 80% são negras e 66,5% são mulheres. Toda essa situação acontece dentro de uma comunidade que não tem saneamento básico e durante uma crise sanitária mundial.

Até agora, 20 residências já receberam sentença de demolição. Dentre elas, a de Terezinha. Foi a partir desta decisão que o movimento Comunidade da Linha Resiste, do qual ela faz parte, foi às ruas protestar e moveu várias campanhas que resultaram no adiamento de expulsão das famílias e destruição das casas. O movimento hoje tem apoio de outros grupos, como o MTST – Movimento dos Trabalhadores Sem Teto, o MUST – Movimento Unificado dos sem Teto e organizações como o CPDH – Centro Popular de Direitos Humanos.

“Muita gente aqui não tem pra onde ir. Se tirarem minha casa, eu nem sei o que vai ser de mim.”, relata. Por ser uma grande liderança da comunidade, alguém que faz mais barulho em reuniões e audiências, ela acredita ser um alvo dentro deste processo e por isso sua casa está entre as primeiras a serem destruídas.

Alexsandro José da Silva vive na comunidade há 3 anos. Sua casa está localizada a cerca de 300m da área ameaçada, mas ele, junto com Terezinha, é uma das lideranças que encabeçam o movimento contrário aos despejos. Ele denuncia a falta de compromisso de poderes públicos com a situação das pessoas da Comunidade da Linha e até uma tentativa de intimidação.

“Várias reuniões foram marcadas e sendo adiadas, até na véspera do dia. Em uma delas, fomos informados/as que o secretário havia sido vacinado e estava ‘indisposto’. Em uma das reuniões que conseguimos realizar, teve presença da Polícia Militar e da Guarda Municipal.”, denuncia o militante.

Em todas as suas esferas – municipal, estadual e federal – o poder público é extremamente ineficiente e não aponta nenhuma solução para a situação dos/as moradores/as. Luan Melo Silva, arquiteto urbanista que presta assessoria técnica para a comunidade, vem participando dos processos e, junto com o movimento, está buscando alternativas para o despejo das famílias.

“Dentro desse processo, não tem nenhuma solução habitacional apresentada para as pessoas. Só vão despejar e não vão dar nenhum tipo de indenização. Estamos querendo abrir uma mesa de negociação com os governos municipal, estadual e federal. Além da pesquisa socioeconômica, estamos construindo um relatório para apontar cenários e oferecer alternativas ao conflito, a partir dos moradores”, afirma Luan.

O Curso de Incidência Política

O Curso integra o Virando o Jogo, programa que envolve 12 países com o objetivo de fortalecer organizações nas áreas de mobilização de recursos locais e incidência política, através de cursos online e presenciais.

Agora, além de colegas de luta, Terezinha, Alex e Luan são colegas de classe do Curso. Terezinha conta que decidiu participar da iniciativa porque quer trazer mais organização para a sua comunidade. “Quero criar uma associação, regularizar ela direitinho, fazer um clube de mães. Essas coisas vão fortalecer a nossa luta porque a gente se prepara melhor.”, relata.

Alex destaca que a vivência e partilha com outros grupos é essencial à luta. “A gente vê que as pessoas são articuladas na prática e na teoria. Queria participar outras vezes, mas prefiro passar o bastão. Quero estruturar minha comunidade, mas quero que outras pessoas tenham isso também.”

Para Luan, o próprio curso está articulado como uma estratégia de resistência. “Oferece um instrumental com começo, meio e continuidade para que a gente possa mapear atores, alternativas, fora o intercâmbio, essa possibilidade de falar para mais gente, em outros estados.”

A luta da Comunidade da Linha, assim como os demais casos que serão discutidos no Curso, servirão de inspiração um para o outro. Ao longo da iniciativa, cada organização participante irá construir um plano de incidência política para atuar em um caso definido por elas mesmas. Doze organizações urbanas de nove estados diferentes integram a turma.

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