Lei Maria da Penha: “A gente tem um caminho muito grande para percorrer”

Igo Estrela/ Metrópoles

DiaconiaNesse domingo, 07 de agosto, celebramos os 16 anos da sansão da Lei 11.340, conhecida como Lei Maria da Penha. Considerada pelo Fundo de Desenvolvimento das Nações Unidas para a Mulher (UNIFEM) uma das três leis mais avançadas do mundo, entre os países que contam com esse instrumento de enfrentamento à violência doméstica e familiar contra à mulher, a Lei Maria da Penha tem significado para as mulheres brasileiras um instrumento de proteção, restituição de uma vida segura e esperança em um mundo justo e sem violência.

Seguiremos atuantes na defesa de uma vida livre para as mulheres, disseminando esse instrumento em forma de lei, que estimula a construção de uma sociedade sem violência e prevê a garantia de direitos e uma vida digna para as mulheres. Para marcar essa data, dialogamos com Anabel Pessôa, advogada, sócio fundadora e coordenadora jurídica do Instituto Maria da Penha. Leia a entrevista completa:

A Lei Maria da Penha foi sancionada em 7 de agosto de 2006. Com 46 artigos distribuídos em sete títulos, ela cria mecanismos para prevenir e coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher. Você pode falar como funciona na prática essa legislação?

Essa legislação surge quando existe um movimento de mulheres diante das situações de violência que existia e a questão da posição da mulher na sociedade. Então, nos anos 60/70, a gente começa a ter esse movimento de mulheres que foca em parlamentares, em uma bancada de mulheres parlamentares a criar um projeto de lei. 

Então o projeto de lei existia, quando o caso Maria da Penha, passa a surgir do próprio movimento pessoal dela. Para que o processo dela fosse julgado, então, a corte internacional pressiona o Brasil e dizem assim: “O que vocês estão fazendo frente a essa temática da violência contra a mulher?” E é quando nós estamos nesse processo de redemocratização, o processo que já tinha nossa Constituição. E o projeto de lei estava lá, engavetado, quando sai de lá da gaveta. Pressionado, tanto pela opinião pública quanto por organismos internacionais. E aí vem a lei a 11.340 dando o nome Maria da Penha, em homenagem, justamente a Maria da Penha Fernandes e ela vem com o sentido de conscientizar a sociedade nesse enfrentamento de evitar e punir o agressor. Mas interessante ela tem vários detalheszinhos, não é? Na realidade, ainda é. Nós estamos nesse mecanismo que deve ser um conjunto de órgãos, um conjunto de fatores. Desde a polícia, desde a justiça, desde o promotor, desde os órgãos como organizações civis que dão apoio a essa mulher, então tem todo o um funcionamento que precisa ser amadurecido. Não dá aqui para dizer realmente para você de forma detalhada, porque a gente vai entrar no lado técnico. Mas, de forma geral, esse é a lei. Ela vem nesse processo de conscientização e de legislar para evitar e punir, evitar no sentido prevenção e punir a agressão.

Nós sabemos que existem vários tipos de violência contra mulher. Quais são os tipos de violência que a lei contempla?

A física,  a psicológica, a moral, a sexual e patrimonial. É interessante que a patrimonial é uma das que não é muito visível. A mulher não percebe esse sentido patrimonial. Exemplo “Eu ganho meu dinheiro, meu marido também ganha, mas o meu dinheiro fica no controle dele, porque ele é que gerencia.” Tudo bem, pode ser até um acordo, não é? Não há problema nenhum, mas desde que você não seja reprimida em relação a isso. A gente que poder entender e dizer assim, “Eu fiz um combinado com meu marido? Não, tudo bem” mas isso é de boa? Usando de forma bem popular: “Isso é de boa?” Não é junto porque o casal ele tem que caminhar juntos, a gente tem que entender que o homem não inimigo aí na história. A gente tem uma história, é cultural, não é de uma não posição da mulher perante a sociedade que um homem. A gente precisa entender a partir de agora, que a gente também tem uma posição na sociedade que um homem também está começando a enxergar isso. A gente está vendo homens que já fazem parte desse processo de proteção à mulher de enxergar a mulher como pessoa na sociedade. Então nós temos os 2 lados hoje em dia.

Recentemente, a Lei Maria da Penha inseriu a violência psicológica como tipo penal de violência contra mulher. De que forma as mulheres podem identificá-la?

A violência psicológica é uma das que, se é patrimonial não era a vista, a psicológica mais ainda. E ainda hoje os próprios operadores do direito, os atores do direito, como a delegacia, ainda não enxerga essa violência psicológica. Diante disso, houve a modificação, agora no código penal, em 2021, teve a lei 14.188, a do dia 29/07/2021 que já  completou um ano dela é que justamente vem trazer e especificar essa violência psicológica na questão do comportamento da mulher, o controle das ações da mulher, da crença, das decisões que ela vai tomar, as ameaças diretas ou indiretas, de forma velada, os constrangimentos que ela passa no meio social, as humilhações, as manipulações. Humilhar, manipular, constranger, ameaçar, reprimir. Exemplo: você é religiosa, mas seu marido não é e você está querendo ir pra igreja, mas ele não te permite porque não acredita naquilo que você crê, isso é uma violência psicológica. Imagina um casamento de 30/40 anos e você tendo que ir pra igreja escondido, ler a bíblia escondida, você não poder trazer seus amigos e amigas da igreja para casa. Trouxe esse lado religioso por se tratar da Diaconia. A violência psicológica é uma das que mais ocorre. Ela ela a mulher a denunciar? Não. O que leva ela denunciar é a violência física. Aquela história “ele faz isso porque é o jeito dele, mas ele não me bateu. No meio dos meus amigos ele diz “vai, mulher, vai me servir, tu só presta pra isso”, ele humilhou, mas ele não bateu. Essa violência é o que mais fere, a que mais fica sequela. A violência física dói, mas passa, mas normalmente é a que chega na delegacia.

Nesses 16 anos de existência da Lei Maria da Penha, quais são os principais desafios enfrentados e avanços efetivos nessa caminhada??

O direito é transformador conforme a sociedade vai evoluindo e vai se percebendo. Ano passado falamos que a lei estava debutando, completando 15 aninhos, e 16 anos. Ainda tem processos transformadores. O que mais falamos é o fortalecimento das medidas protetivas. Com 16 anos ainda, nós que trabalhamos no atendimento a mulher, sofremos com esse processo das medidas protetivas. Quando a mulher chega pra pedir socorro, ela já chegou no limite porque ela resiste a chegar na delegacia. Vemos que ainda há uma falta de gestão pública, muitas vezes, de investir num quadro profissional, uma quantidade maior de delegacias, de juízes da área, ainda temos essa dificuldade. Mas vemos como avanço o amadurecimento das medidas protetivas. Outra dificuldade também é a questão do acolhimento. Quando a mulher não tem pra onde ir. A família não abriga, não aceita porque tem medo até dele (marido/agressor) e falta abrigamento. Estamos falando de um “brasilzão”. Vamos falar de Pernambuco: Onde vamos ter abrigamento no sertão? No agreste? É um ou dois para tantas. O acesso se torna mais difícil. A retomada de vida também é difícil porque, muitas vezes, elas são dependentes financeiramente. Elas precisam de ter um impulsionamento para tomar a decisão. A maioria não tem coragem por questões econômicas.

O que as mulheres precisam fazer para serem assistidas pela lei?

As mulheres devem procurar se orientar. Procurar as organizações civis, a Defensoria Pública, Ministério Público. Na hora do socorro procurar delegacia, se possível uma delegacia especializada. Aí sim vão dar um encaminhamento, sabendo que poderá ser falho, mas que vai acontecer.

Qual é o papel do Instituto Maria da Penha na prática?

A ideia inicial do Instituto foi capacitar as mulheres. Foi criado as defensoras legais, foram capacitadas mais de 1.000 mulheres. O instituto começa a fazer um processo de conscientização. Mulheres conscientizando mulheres. Lideres comunitárias e publico em geral. Outro projeto que o instituto criou são “As penhas” para oferecer atendimento às mulheres através do Instagram @aspenhasoficial. As mulheres são atendidas por assistentes sociais primeiramente, depois por psicólogas e depois pelo setor jurídico. O nosso papel jurídico é um papel inicial das medidas protetivas, um atendimento emergencial que a mulher necessita. Uma orientação, uma fala, um acalento para que as coisas possam ser encaminhadas. Atendemos o país inteiro de forma virtual. Os encaminhamentos também são feitos dessa maneira. Inclusive até mulheres brasileiras que vivem fora do país. Ás vezes o mínimo que elas precisam é uma orientação.

Quais são os contatos do Instituto Maria da Penha que as mulheres podem procurar?

Nas nossas redes sociais, nosso Instagram é o @InstitutoMariadaPenha e @AsPenhasOficial são as redes de contato. Pelo Instagram é uma forma até discreta de pedir socorro.

Quais são suas considerações finais sobre esse dia marcante?

A gente tem um caminho muito grande para percorrer. São só 16 anos e o processo evolutivo legal para enxergar a violência ainda é muito grande. Precisa do amadurecimento da sociedade. A sociedade precisa enxergar e também os organismos públicos também possam entender que a mulher protegida, o homem consciente, a gente têm uma família equilibrada e uma sociedade em paz.

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