Manifesto em favor dos direitos religiosos das mulheres

Notícias veiculadas através das grandes mídias sociais que chegam até nós têm nos alertado para a retomada crescente do perverso modelo histórico de silenciamento imposto às mulheres em contextos religiosos diversificados. No que toca ao cristianismo brasileiro de diversas matrizes denominacionais, a Associação de Mulheres EIG vem a público colocar em relevo este manifesto em favor dos direitos religiosas das mulheres.

A partir de três importantes dimensões discursivas em nossa sociedade:1 – Dimensão Bíblica-teológicaDiversos discursos de cunho sexistas insistem em deslocar as mulheres de seus dons e espaços de atuação como pastoras ordenadas, diaconisas, evangelistas, missionárias e afins. Entretanto, esses discursos têm por base fundamentações flagrantemente contrárias ao Evangelho de Jesus Cristo, pois utilizam como referência recortes das cartas paulinas e deuteropaulinas – convenientemente escolhidos – com o intuito de calar as mulheres sob argumentos adulterados a fim de que pareçam “argumentação teológica de base absoluta e universal”. A vasta literatura bíblica-teológica e exegética de eminente valor tem demonstrado que, por exemplo, nos escritos do Apóstolo Paulo e nos Evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, as mulheres foram retratadas de diferentes maneiras e com evidenciado e reconhecido protagonismo. Nos textos bíblicos, vemos mulheres caracterizadas como sendo diaconisas, apóstolas, discípulas, entre outras. Daí a afirmação de que os dons e talentos são dados a todos os seres humanos – do grego anthropos (cf. Ef. 4:8) – por obra e inspiração da Ruah, (o Espírito Santo) SEM DISTINÇÃO DE SEXO. Toma-se como exemplo a singularidade das atuações de Maria, Maria Madalena, Junia, Priscila e outras. Diante desses dados, também evidenciamos que muitas teólogas, biblistas e cientistas da religião têm há tempos denunciado as múltiplas violências decorrentes de argumentações limitadas, misóginas e intelectualmente desonestas que dão como universal o padrão de predomínio do masculino.

2 – Dimensão PsicoemocionalAs práticas de fé e as expressões religiosas são compostas e construídas em redes de afeto e assistência mútuas. Impedir que as mulheres exerçam seus dons e os talentos em condições de protagonismo nos ambientes religiosos (igrejas) as afasta e as inibi de espaços e redes de solidariedades significativas, propiciando dor e sofrimento psicoemocional. Como consequência, por vezes, ocorre o afastamento de nossas avós, mães, tias, irmãs, filhas, amigas e companheiras de fé desses lugares, pois que se tornam emocionalmente doentios. Também destacamos e denunciamos que são as mulheres pobres, negras, racializadas, periféricas e trans que mais sofrem com tais violências.

3 – Dimensão JurídicaA livre manifestação da consciência e o pleno exercício da religiosidade são direitos humanos assegurados a todas as pessoas. Além disso, tanto na legislação brasileira quanto nos tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário são vedadas acepções que confrontem a paridade de condições, como bem determina o texto constitucional no que tange à igualdade de gênero, raça, cor e condição social. Portanto, o tratamento desproporcional dado às mulheres pelas organizações religiosas que as impedem de ocupar cargos de autoridade institucional além de ilegal é desonesto, vez que a acomodação das práticas religiosas aos interesses dos homens no poder demonstra de forma contundente a disparidade, configurando discriminação em razão do gênero.

Por fim, se torna necessário assinalar que não foram as mulheres que desobedeceram aos dogmas e preceitos que orientam as comunidades de fé, mas sim, os homens que deturparam as regras para afastá-las dos lugares de protagonismo que sempre ocuparam nas igrejas, desde os primórdios do cristianismo, como descrito nos Evangelhos. Os textos sagrados não mudaram, mas sua interpretação foi alterada a fim de que os homens satisfizessem seus anseios de superioridade e opressão às mulheres fiéis, através de práticas machistas incorporadas ao longo do tempo pelo sistema capitalista, escravagista, misógino e LGBTfóbico, erroneamente referendado como cristão.

Declaramos que não reconhecemos estes como os valores cristãos, aqueles ensinados por Jesus de Nazaré, o preto, periférico e revolucionário, o Deus que se travestiu de humanidade e foi morto pelo sistema religioso que oprimia e segregava o povo, provocando exclusão e morte.

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