O Coletivo de Proteção à Infância Voz Materna disponibiliza versão em português do Informe da Relatora Especial sobre a violência contra as mulheres e crianças

BRASIL-

O Coletivo de Proteção à Infância Voz Materna disponibiliza a versão em português do Informe da Relatora Especial sobre a violência contra as mulheres e crianças, suas causas e consequências. O presente relatório da Relatora Especial sobre Violência contra as Mulheres e as Meninas, suas causas e consequências, é submetido ao Conselho de Direitos Humanos de acordo com a Resolução 50/7. Nele se analisa a ligação entre o litígio pela guarda das crianças, a violência contra as mulheres e a violência contra as crianças, e se estuda em particular o abuso do termo “alienação parental” e pseudoconceitos semelhantes.

D E S T A Q U E S:

A Relatora Especial, juntamente com outros membros da plataforma independente de mecanismos de especialistas sobre a eliminação de discriminação e violência contra as mulheres, expressou preocupação com a tendência observada em todas as jurisdições de ignorar a violência do ex-parceiro contra as mulheres, decidindo o litígio pela guarda das crianças. Como especificamente expressou preocupação com o Brasil e a Espanha, a Relatora especial tem recebido informações sobre casos de outros países em que foi omitida a referida violência e que o poder judiciário responsável por decidir sobre a guarda, penalizou as mães que denunciaram os abusos de seu parceiro. A tendência de ignorar a história da violência doméstica e abusos no litígio pela guarda das crianças também é observada nos casos em que a mãe ou os próprios filhos apresentaram denúncias legítimas de abuso físico ou sexual. Em vários países, as Varas de Família tendem a considerar as queixas como uma tentativa deliberada da mãe de manipular seus filhos e separá-las do pai. Aquela suposta tentativa da mãe de denunciar abuso é geralmente chamada de “alienação parental”. [item 1]

A acusação de alienação parental tem um componente de gênero muito alto e é frequentemente usada contra a mãe. De acordo com um estudo realizado no Brasil, a mulher foi acusada de alienação parental em 66 % dos casos, em comparação com 17 % dos casos em que os homens foram acusados, e os homens fizeram acusações mais infundadas do que as mulheres. Na Itália, a acusação também foi predominantemente usada contra a mãe. [item 14]

Existem diferentes maneiras pelas quais as queixas de violência doméstica são ignoradas e deslegitimadas ao usar a alienação parental:(…) Deixando sem efeito tentativas de examinar escrupulosamente a violência doméstica. Em 2017, uma Comissão de Investigação Parlamentar do Brasil encontrou uma correlação entre alienação parental, violência doméstica e abuso sexual. No entanto, advogados e defensores da alienação parental pressionaram para que não fossem tomadas as medidas de proteção das vítimas; [item 20-b]

Quando é tomada uma decisão de guarda favorável para os pais que alegam alienação parental, sem levar em consideração o suficiente a opinião da criança, ele vê sua resiliência diminuída e permanece exposta a danos duradouros. Nesses casos, também pode ser cortado o vínculo estável e seguro da criança com a mãe que era seu principal cuidador e não o abusador. Em contribuições da Austrália, Áustria, Brasil, Colômbia, Alemanha e Reino Unido da Grã -Bretanha e Irlanda do Norte, são indicados casos em que se separou os filhos do principal cuidador e os obrigou a residir com o pai do abusador, ao qual eles resistem. Além disso, as comunicações indicam casos de serviços de proteção policial que cumpriram ordens de visita e guarda em casos em que a criança claramente não queria ver seu pai, traumatizando tanto a criança quanto a mãe; [item 23]

O fato de não levar em consideração a violência doméstica e familiar e a violência contra as crianças nas decisões sobre o regime de guarda e visitas constitui uma violação dos direitos da criança e do princípio dos melhores interesses da criança. Artigo 12 da Convenção sobre os direitos da criança, estabelece que os Estados Partes garantirão às crianças que estão em posição de formar seu próprio julgamento o direito de expressar sua opinião livremente em todos os assuntos que as afetam, e que as opiniões das crianças devem ser levadas em consideração, de acordo com sua idade e maturidade. Também estabelece que as crianças terão oportunidade de serem ouvidas em qualquer procedimento judicial ou administrativo que as afete, diretamente ou através de um representante ou de um procedimento apropriado. O Artigo 19 estabelece o direito das crianças a serem protegidas contra todas as formas de abuso físico ou mental, negligência, maus tratos ou exploração, incluindo o abuso sexual, enquanto a criança está sob a guarda dos pais, de um representante legal ou de qualquer outra pessoa que esteja como sua guarda. [item 27]

Com relação ao pseudoconceito da alienação parental, o Comitê emitiu uma série de observações finais nas quais ordena ao Estado parte que proíba a utilização da alienação parental nos Tribunais e que promova a formação obrigatória às autoridades judiciais sobre violência doméstica e seu impacto nas crianças. [item 33]

(…)Em 2022, o Comité e a Relatora Especial instaram os Estados Partes a proibir expressamente a utilização da síndrome da alienação parental em processos judiciais, de modo a não colocar tanto as crianças como as mães numa situação vulnerável, acrescentando que esta poderia ser utilizada como um continuum da violência baseada no gênero e conduzir à responsabilidade do Estado pela violência institucional. [item 35]

A ligação entre alienação parental e abuso sexual infantil decorre das origens da alienação parental como um pseudoconceito e da alta incidência de abuso sexual infantil no contexto da violência doméstica. Embora Gardner tenha reconhecido a prevalência de alegações de abuso sexual infantil em disputas de custódia, ele apontou muitas dessas alegações como falsas, feitas pela mãe para alienar a criança do pai. Ao apresentar a mãe como uma mentirosa que “abusa emocionalmente” de seus filhos, o rótulo de alienação parental desvia a atenção dos tribunais da questão de saber se o pai é abusivo e coloca o foco na mãe ou em seus filhos supostamente mentirosos ou enganados. [item 40]

Os agressores sexuais de crianças têm usado a alienação parental para limitar, obstruir ou deslegitimar o progresso na proteção dos direitos das crianças vítimas. No Brasil, o reconhecimento da alienação parental na legislação e a imposição de penalidades para atos de alienação parental também facilitaram seu uso como defesa para o abuso sexual. [item 42]

Em alguns casos, os promotores da alienação parental dão poder ou pressionam as autoridades e instituições públicas responsáveis pela avaliação do melhor interesse da criança. (…) No Brasil, o Conselho Nacional de Justiça oferece cursos sobre alienação parental para membros do judiciário e outras pessoas que, às vezes, obrigam mulheres e mães a assistir por ordem judicial. [item 60]

Alguns peritos se anunciam abertamente como especialistas em alienação parental e são indicados para avaliar casos em que esse pseudoconceito é invocado, apesar do fato de que em muitas jurisdições ele não é formalmente reconhecido. Também foi manifestada preocupação com relação às provas apresentadas em processos judiciais por pessoas que se dizem especialistas sem serem qualificadas, algumas das quais parecem estar “tirando vantagem de sua posição para obter lucro ou ganho político” [item 61]

A alienação parental é, sem dúvida, uma atividade lucrativa que permite que especialistas prestem seus serviços em litígios de direito de família mediante remuneração. Os programas de capacitação e as conferências, que proliferaram em todo o mundo nas últimas duas décadas, proporcionam outra fonte de renda. [item 62]

Diferentes vítimas de violência relataram que se sentiram menosprezadas pelo judiciário, por pessoas do sistema de justiça e revitimizadas por profissionais que não entendem o impacto e a dinâmica da violência doméstica. Um estudo expõe a frustração dessas mulheres com relação à simpatia expressa pelos juízes em relação a pais violentos e por testemunhar a manipulação de profissionais pelos autores de abusos, que se comportam de forma encantadora na frente deles e mostram sua melhor aparência. Há vítimas de violência doméstica que também perceberam que os tribunais e os profissionais do direito tratam o pai e a mãe de forma diferente: ela deve ser calma e complacente, enquanto ele tem o direito de se comportar de forma agressiva na audiência. [item 64]

Há uma clara necessidade de formação e conhecimento especializado para membros do judiciário e profissionais do direito. [item 67]

A participação em litígios de guarda e direitos de visita é cara, e a falta de representação legal é uma desvantagem estrutural, especialmente para as vítimas de violência doméstica. Mulheres socioeconomicamente desfavorecidas têm acesso limitado ou nenhum acesso à justiça e à assistência jurídica. Entrar no sistema de direito de família pode ser particularmente difícil, especialmente quando partes do sistema não estão harmonizadas ou operam de forma contraditória. [item 70]

Este relatório demonstra que o desacreditado e não científico pseudoconceito de alienação parental está sendo usado em litígios de direito de família por agressores como uma ferramenta para continuar seu abuso e coerção e para minar e desacreditar as denúncias de violência doméstica apresentadas por mães que tentam manter a salvo seus filhos. Também mostra como se viola a norma do superior interesse da criança ao impor o contato entre ela e um ou ambos os genitores como prioridade, mesmo quando existem provas de violência doméstica. Principalmente em decorrência de preconceitos de gênero e da falta de formação do judiciário e de acesso das vítimas à assistência jurídica para as vítimas, em situações em que ocorre a inversão da guarda para abusadores apesar de existirem provas dos abusos físicos e sexuais intrafamiliares. (…)

Acesse o documento completo em português aqui https://onedrive.live.com/?authkey=!AHxAaiY86W821A8…

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