Mangueira: Se você ainda achou que o sagrado foi profanado, não entendeu o movimento do Jesus

No desfile da Mangueira, vinte religiosos e religiosas de diferentes tradições cantaram e sambaram afirmando o respeito pela diversidade religiosa (LMCampos)

BRASIL-

Valeria Cristina Vilenha-

Olha, eu não entendo nada de Carnaval, infelizmente. Normalmente faço uso do feriado ou para trabalhar, ou para descansar e, na sorte, as duas coisas.

Mas ontem parei tudo para prestigiar a Mangueira e amigas e amigos que conheço, religiosos que tenho a honra de caminhar juntx.

A Mangueira arriscou levar para a avenida uma outra visão, não para se impor como a única visão, mas também para fazer parte com outras narrativas da religião hegemônica cristã. Como disse o carnavalesco: “as diversas faces de Jesus visto pela Mangueira”.

No desfile da Mangueira, vinte religiosos e religiosas de diferentes tradições cantaram e sambaram afirmando o respeito pela diversidade religiosa (L.Campos)

Terminei de assistir estupefata!

Que bom que tive o privilégio de assistir com meu filho; fomos apreciando e tecendo comentários. O centro do cristianismo, a trajetória de Jesus, da anunciação, ministério, acusação/julgamento, morte e ressurreição ali… desfilando na nossa cara! Que forte!

Havia ali diversos religiosxs anunciando o respeito e o diálogo inter-religioso, sem bloquinho demonizando quem optou por pular o carnaval. Não tinha ninguém com sentimento de arrogância, como que dizendo: “eu sou santo, você não é, porque você pula carnaval e eu não” – pensamento que às vezes vem daqueles ou daquelas que até gostariam de estar ali, na folia (que triste), mas não estão.

Vi religiosxs caminhando juntxs entre o povo. Que beleza da vida! Obrigada pastora Lusmarina, pastor Henrique, padre Marcelo Barros, e cada um que estava presente.

No desfile da Mangueira, vinte religiosos e religiosas de diferentes tradições cantaram e sambaram afirmando o respeito pela diversidade religiosa (L.Campos)

Então a comissão de frente, simples, eficiente, chegou dando o recado: Jesus no chão da gente, Jesus das gentes, celular na mão, tomando enquadro e tudo mais. Belíssima também a anunciação à “amada Marrom [cantora Alcione], como Maria”, a ala dos pastores, os magos, a estrela, o nascimento do menino negro, a ala dos milagres, o templo sendo usado para poder pessoal e, Jesus, lascando o chicote nos mercadores da fé!

Destaque para Jesus em corpo de mulher, denunciando o alto índice de feminicídio e perguntando: “Se Jesus fosse mulher, será que estaríamos no topo do ranking do feminicídio?” A Rainha da bateria, Evelyn Bastos, abriu mão de sambar para denunciar!

Meu coração? Já estava saltando pela boca.

Mas a ala das baianas, o que foi aquilo? Um dos melhores momentos! A religião afro sendo crucificada. E, depois, outro momento de “segura coração”: o Jesus jovem negro, cabelo pintado de amarelo, crivado a bala, talvez amante do funk, na cruz. E, na cruz, sua condenação não era INRI, Jesus Nazareno, Rei dos Judeus. Sua condenação estava lá: Negro. Chorei.

E no resplendor da apoteose, Jesus ressuscita na favela, no morro da Mangueira!

Gratidão pela palavra pregada, cantada, dançada, sambada na avenida.

E se você ainda achou que o sagrado foi profanado, não entendeu o movimento do Jesus encarnado na periferia de Nazaré, aquele lugarejo que todos diziam que não haveria de vir nada de bom de lá.

Pense nisso: você não entendeu o movimento de Jesus de Nazaré; por isso, não o reconheceu na avenida, mas pode entender e só abrir seu coração e mente!

Mas, por enquanto – e que tristeza ter que reconhecer isso – você só está reproduzindo o cristianismo do império, que se fez oficial, acima de tudo e todos.

E, por fim, mas não menos importante, faltou no Jesus das gentes as gentes Trans, como nos alertou a reverenda Alexya Salvador.

 

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