Lutero e Marx

Martim Lutero representado como um monstro de sete cabeças.

Martim Lutero representado como um monstro de sete cabeças.

Clovis Horst Lindner-

Você deve pensar que enlouqueci de vez. Como um pastor pode fazer uma comparação entre Martim Lutero e Karl Marx? Mesmo espantado, recolha o seu espanto e acompanhe o meu raciocínio. O texto é longo, eu sei, mas “ouse ler”, como diz o meu amigo Renato.

Bem, vamos aos detalhes. Não penso nos escritos, nas frases bombásticas ou no sucesso do professor de Wittenberg em sua terra, onde tinha a proteção de muitos príncipes e, mesmo tendo sido excomungado, levava uma vida relativamente normal, se é que se pode dizer isso da experiência alucinante que foi a existência de Lutero.

Penso no que pensavam seus inimigos. Para isso, baseio-me na jovem filósofa italiana Marta Quartale, que está trabalhando em sua tese de doutorado em filosofia na universidade de Berlim.

Em Roma, o ex-monge e professor de Wittenberg era o próprio demônio. Naqueles tempos em território italiano, graças ao renascimento da Inquisição no verão de 1542, qualquer simpatia à Reforma sumiu completamente do mapa em 70 anos.

Foi uma perseguição implacável. Alguns simpatizantes fugiram para a Suíça ou a Polônia. Quem ousasse expressar-se simpático às ideias protestantes, era sumariamente condenado por heresia e executado. Bartolomeo Fonzio, por exemplo, foi executado por ter traduzido o escrito de Lutero “À Nobreza Cristã da Nação Alemã…”.

Lutero era o próprio anticristo em Roma. Dezenas de representações italianas do século 16 mostram o professor de Wittenberg como diabo, bebum, ser com sete cabeças ou chifres e muitas ilustrações depreciativas. Por lá ele era o “monstro saxão”. Mas, o conhecimento sobre o pensamento da Reforma ou a leitura de seus escritos era uma prática amplamente desprezada.

Falava-se da pessoa de Lutero. Seus escritos, sua crítica à igreja ou o que era o movimento que ele encabeçava era algo amplamente desconhecido. As reações à Reforma eram amplamente movidas por atitudes impensadas e inconsequentes. Era um ódio gratuito e desinformado. Eles não tinham nenhuma noção sobre os seus escritos teológicos ou sobre a pessoa de Lutero.

Em 1520 alguns mercadores alemães começaram a levar a sua fé para a cidade de Veneza. Mas tudo às escondidas. Celebravam cultos, mas não podiam falar alto ou cantar. O pastor usava trajes civis, para não chamar atenção. Ao longo de 130 anos a pequena comunidade luterana de Veneza foi uma igreja de porões. Hoje essa comunidade não é somente a mais antiga na Itália, senão também a mais antiga fora da Alemanha.

Quando começaram a surgir traduções da Bíblia para o italiano (1567), até a Bíblia entrou no Index Librorum Prohibitorum, ou seja, sua leitura foi oficialmente proibida na Itália. O tradutor e teólogo italiano Giovanni Diodati só conseguiu publicar sua tradução italiana das Escrituras em 1603 porque fugiu da Inquisição e se escondeu em Genebra-Suíça.

Karl Marx na sombra de Lucifer, numa verdadeira obra de arte da difamação.

Karl Marx na sombra de Lucifer, numa verdadeira obra de arte da difamação.

Assim, não pude resistir. Hoje em dia, quando se menciona o nome de Karl Marx, os estereótipos logo aparecem. Sem conhecer a sua filosofia ou qualquer dos seus escritos, o mais importante filósofo alemão é logo desqualificado por conta de rótulos. Também ele não escapa de ser taxado de anticristo, monstro ou mesmo o diabo em pessoa. Alguns cristãos inclusive montaram uma espécie de Inquisição particular. Condenam qualquer referência ao comunismo como heresia. Excomungam a torto e a direito. Queimam livros em praça pública, usando O Capital como principal combustível – embora jamais o tivessem sequer aberto, ou ao menos lido o seu Prefácio.

As semelhanças entre Marx e Lutero não são mera coincidência, portanto.

Fonte das informações: “Con informaciones de Evangelisches Sonntagsblatt.” A pesquisa sobre o ódio a Lutero em Roma é da filósofa e doutoranda italiana Marta Quartale para sua dissertação de doutorado.

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