CONIC/ALC-Os partisans foram grupos de resistência ao nazismo que se refugiavam em bosques, montanhas e pântanos, por toda a Europa. Junto com eles, Marian Burstein dinamitou trens, destruiu pontes, fez prisioneiros de guerra e enfrentou tropas nazistas.
Ele era o sogro de Miguel Krigsner, fundador do Museu do Holocausto e da rede de lojas de cosméticos O Boticário. A história de Burstein motivou a criação do único museu sobre o holocausto existente no Brasil, localizado em Curitiba e inaugurado em 2011.
O ex-guerrilheiro faleceu em 2004, mas não sem antes gravar um depoimento sobre suas experiências para um projeto da Fundação Soah, do cineasta americano Steven Spielberg – também judeu e vencedor do Oscar de melhor diretor em 1994 com o filme A Lista de Schindler, sobre o horrores do Holocausto.
Nascido em Blinow (Polônia), em 1922, Burstein era o mais velho de quatro irmãos. Nesse pequeno vilarejo, que fica a aproximadamente 200 quilômetros da capital polonesa, Varsóvia, sua família tinha um armazém que servia agricultores da região.
Em 1940, seis meses depois do início da Segunda Guerra Mundial, tropas alemãs cercaram Blinow e aprisionaram os homens para trabalho forçados. Burstein teve a chance de presenciar a frieza dos nazistas.
De acordo com seu relato, havia uma piscina usada para a higienização dos prisioneiros. Bem em frente a um alojamento de soldados. “Ali, bebiam café, pegavam revólveres e, apoiados na janela, atiravam nos prisioneiros como patos em um jogo de tiro ao alvo. Eram sádicos – tínhamos ainda que tirar as pessoas mortas da água”.
Burstein conseguiu escapar durante um troca de prisioneiros e foi ao encontro de sua família, que imediatamente abandonou Blinow e passou a viver uma rotina de fugitiva – graças à clientela do armazém, iam de um casa para outra, escondido em sótãos ou debaixo do piso.
Durante o ano de 1941, a família Burstein mudou de refúgio diversas vezes. Era necessário sair quando a vizinhança desconfiava da movimentação na casa de quem dava abrigo.
As fugas eram sempre feitas à noite. Durante o inverno, para não deixar rastro na neve, formavam uma fila em que cada um tentava encaixar o pé na marca deixada pelo outro. Em um desses abrigos, um conhecido convidou Burstein para se juntar aos partisans, o que ele fez em 1942, junto à irmã mais velha.
O grupo, chamado de Armia Ludowa, tinha poloneses judeus e não judeus, assim como russos e outras nacionalidades.
De acordo com Dennison de Oliveira, professor de história da Universidade Federal do Paraná e autor do livro Os Soldados Brasileiros de Hitler, a resistência ocorreu tardiamente.
“O Holocausto sempre foi um projeto secreto; as vítimas eram mantidas na ignorância de seu destino até o último momento e levavam o segredo consigo ao serem mortas”.
Os partisans eram organizados. A cada 20 pessoas, havia um líder que impunha regras rígidas. Quem não as seguia, tinha como punição, muitas vezes, o fuzilamento.
Burstein, por exemplo, testemunhou um episódio em que um dos partisans foi fuzilado quando, além de apanhar comida na casa de uma polonesa, resolveu furtar um par de meias, que seria levado para a namorada.
Para prover as necessidades básicas, os combatentes cobravam um pedágio do comércio nas cidades.
Por uma questão de sobrevivência, casais eram proibidos de ter filhos. As mulheres, por exemplo, ao mesmo tempo que costuravam roupas com o tecido de paraquedas, também aprendiam a manusear o armamento.
O filme Um ato de liberdade (2008) ajuda a entender como viveram os partisans. “Quando assisto ao filme, parece que vejo meu sogro nele”, conta Krigsner. Ao todo 14 pessoas da família de Burstein conseguiram sobreviver.
“Eles tiveram muita sorte, pois normalmente alguém acabava morrendo”, afirma Miguel Krigsner, cuja família é um exemplo disso – de 20 pessoas, apenas o pai dele e três irmãos sobreviveram.
No fim da guerra, o pai de Krigsner saiu de seu esconderijo com apenas 39 quilos. “O que salvou a família do meu sogro foi a ligação com os partisans”, afirma Krigsner.
Da Polônia para a América do Sul
Após a guerra, muitos judeus ficaram sem teto – no caso da família Burstein, a casa estava intacta, porém habitada por ucranianos que lá permaneceram. Por isso, muitos deles não ficaram no país natal. No caso de Marian Burstein, o destino foi a Bolívia.
“Era um dos países que aceitava a entrada de judeus. O país era basicamente indígena e procurava trazer europeus para trabalharem”, conta Krigsner, que nasceu na Bolívia, pois seu pai também migrou para lá depois da guerra.
Passados alguns anos, um dos cunhados de Burstein, que tinha contatos em Curitiba, resolveu se mudar para o Brasil com parte da família.
Burstein estava casado e trabalhando com a venda de automóveis na Bolívia, mas foi convencido pela mãe a acompanhar a família. Chegou em 1957 para trabalhar como comerciante.
Teve três filhos e viveu até o fim em Curitiba. Morreu aos 82 anos.
O museu
No Museu do Holocausto brasileiro, é possível ver o depoimento de diversos sobreviventes da 2ª Guerra Mundial. Fotografias e objetos pessoais buscam contar histórias singulares dos horrores.
“A memória tem que ser preservada. Eu queria que fosse um museu extremamente educativo, não de velharia; algo moderno para atrair jovens e adultos”, afirma Miguel Krigsner.
Ele lembra que a proximidade com Marian despertou seu interesse pelo tema, até mesmo por que as histórias da família muitas vezes remetiam à guerra.
“Isso não é problema. Problema é fugir dos alemães”, esse era um comentário recorrente que ouvia do sogro.
Para Dennison Oliveira, o museu fornece “um claro exemplo histórico de como o preconceito pode ser politicamente instrumentalizado e quais as consequências disso”.
“Ele conseguiu reverter uma lembrança tão triste em um bem viver, acredito que ele é símbolo de todos aqueles judeus que não se entregaram e lutaram pelo nosso povo”, finaliza Krigsner.
Fonte: BBC
Imagens: Reprodução