Para camponeses e camponesas em todo o mundo, o dia 17 de abril é sempre lembrado como o dia da impunidade e da injustiça. Nesta data, por vinte e dois anos, nos lembramos dos 21 trabalhadores sem terra assassinados na Curva do S em Eldorado dos Carajás (PA). Um dia que também jamais será esquecido pelos 69 feridos sobreviventes, muitos mutilados, e que, por anos, foram alijados não apenas das indenizações a que tem direito, como da própria justiça.
Para o brasileiro pobre, a justiça não apenas tarda, como sempre falha. Para tranquilidade dos 144 policiais militares que participaram da operação e que permanecem impunemente em liberdade, ou do mandante do Massacre, o governador Almir Gabriel (PSDB), que deixou a vida sem ser responsabilizado por seus atos.
Assim como no Pará, que esperança de justiça podem ter as famílias de Vilmar Bordin e Leonir Orback, assassinados há dois anos no Paraná por pistoleiros da Araupel e policiais militares, num dia 7 de abril? Ou as outras 70 vítimas da violência no campo apenas no ano passado, o maior índice dos últimos 15 anos, segundo a Comissão Pastoral da Terra?
Porém, não são apenas os lutadores e lutadoras da reforma agrária que são vítimas da omissão do judiciário, da injustiça e da impunidade.
O mês de abril nos lembra o golpe de 1964, mas nos lembra também da maneira como o Congresso, de forma ilegítima, afastou a presidenta Dilma Rousseff também num dia 17 de abril, como ato final de um espetáculo patrocinado pelos patos da FIESP e pela Rede Globo, cujos maiores beneficiados se tornaram evidentes nos primeiros meses do governo golpista com a PEC que congelou investimentos e políticas sociais por 20 anos, a reforma do sucateamento do ensino médio, o fim da Lei Áurea com a reforma trabalhista, a entrega do Pré-Sal e o fim do Fundo Soberano do Petróleo para a Educação e para a Saúde.
Mas não basta retirar os direitos. O golpe, “com o STF, com tudo”, só pode estar completo se retirar este incômodo para as elites brasileiras que é a mania do povo brasileiro de exercer a sua vontade. É preciso, mais uma vez, calar a democracia. Esta é a única justificativa para a prisão do ex-presidente Lula há mais de uma semana.
O processo contra o ex-presidente teve a velocidade que só os processos contra os pobres têm. A mesma truculência que um trabalhador pobre recebe numa abordagem policial, o ex-presidente conheceu na arrogância da dupla Sérgio Moro-Deltran Dallagnol, os homens que não precisam de provas para condenar ninguém, bastam as suas opiniões políticas, disfarçadas de convicções. Para que direito de defesa? Para a República de Curitiba, todos são culpados e devem provar sua inocência. Para as elites, o direito deve ser lido de cabeça para baixo.
No futuro, nos lembraremos deste período como os anos em que a política foi judicializada, em que o STF tratou a sociedade brasileira como crianças que precisavam ser tuteladas e onde os operadores do direito – procuradores, juízes ou a Suprema Corte – ignoraram a Constituição Federal que deveriam proteger de acordo com os seus interesses políticos.
Porém, assim como a dor do Massacre de Eldorado de Carajás se converteu em vontade de lutar e se transformou em Dia Internacional da Luta Camponesa, as injustiças e impunidades deste abril devem se transformar em motivação para que nunca mais se repitam.
Defender o ex-presidente Lula hoje não significa apenas defender o homem e a figura pública. Significa defender a Constituição Federal de 1988 e os direitos de cada cidadã e cidadão acima dos privilégios de uma elite e de seus interesses políticos. Se derrotados, o autoritarismo judicial a serviço dos interesses empresariais não encontrará limites. Resistir deverá ser uma tarefa cotidiana. Do gesto mais simples, de uma pichação que denuncie o caráter golpista da rede Globo, aos atos nas ruas, onde efetivamente devemos demonstrar nossa indignação.
Dia 17 de abril deve ser o dia de luta camponesa, o dia de luta pela liberdade do Lula e o início de muitos dias de lutas para que a impunidade, a injustiça e o autoritarismo não vençam a democracia e a liberdade.
Texto: João Paulo Rodrigues e Miguel Stedile/ Integrantes da Coordenação Nacional do MSTEdição: Thalles Gomes
Fonte: Brasil de Fato | São Paulo (SP)