Religiosos se mobilizam sobre o Projeto de Lei de Enfrentamento das Fake News

Magali Cunha-

Previsto para discussão no Plenário da Câmara dos Deputados, nesta terça, 2 de maio, o Projeto de Lei 26/2020, popularmente denominado PL das Fake News, curiosamente, tem sido tema de propagação muita desinformação. Bereia, via Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), da qual é membro fundador, vem acompanhando o processo de propagação de desinformação sobre a nova lei, que esteve em debate no Congresso Nacional por três anos e agora está sob ataque. Pessoas e grupos interessados na desinformação como fonte de lucro (em especial as chamadas Big Techs – corporações internacionais que controlam plataformas de mídias digitais) e como estratégia de influência sobre temas de interesse público (em especial políticos, influenciadores e outras lideranças e grupos que fazem uso das chamadas fake news para convencer) tem atuado em oposição à aprovação. 

A ofensiva da Bancada Evangélica no Congresso Nacional e de outras lideranças religiosas contra o PL 2630, nos últimos dias, agora contrasta com a organização de um grupo de pastores e pastoras evangélicos, juntamente com um frei católico que viajaram para Brasília, neste 2 de maio, para se posicionar publica e favoravelmente à nova lei. Bereia verificou os fatos.

O projeto de lei         

Como Bereia já publicou, o PL 2630/2020, de autoria do senador Alessandro Vieira (PSDB/SE, na época do Cidadania) institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Segundo o texto, relatado pelo senador Ângelo Coronel (PSD-BA), então presidente da extinta Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, uma vez aprovado, 

“Estabelece normas relativas à transparência de redes sociais e de serviços de mensagens privadas, sobretudo no tocante à responsabilidade dos provedores pelo combate à desinformação e pelo aumento da transparência na internet, à transparência em relação a conteúdos patrocinados e à atuação do poder público, bem como estabelece sanções para o descumprimento da lei”.

Esta ementa demonstra que a proposta diz respeito não à censura, mas à regulação da responsabilidade das plataformas de mídias digitais (provedores) para impedir a farta propagação de desinformação, com transparência dos processos de filtragem e transparência dos processos de monetização, em especial quanto a conteúdo maldoso patrocinado. A busca de regulação dos espaços digitais é uma demanda internacional, e vários países no mundo discutem este processo.

Segundo carta aberta sobre o tema, da Coalização Direitos na Rede (CDR), da qual faz parte a Rede Nacional de Combate à Desinformação (RNCD), integrada por vários projetos e coletivos, entre eles o Bereia, e atua em defesa dos direitos digitais,

“A Internet é essencial para a vida em sociedade, especialmente no que tange ao debate público e à participação política. Mas uma série de transformações nesse espaço, a exemplo da concentração de poder econômico e político das plataformas digitais e da utilização delas em campanhas de desinformação, tem gerado preocupações e levado à criação de novas regras em todo o mundo, a fim de proteger os direitos humanos das pessoas que usam a Internet, evitar a concentração de poder e a degradação da esfera pública”.

Três anos de debate, sugestões incorporadas ao PL

A CDR explica que o PL 2630 é um projeto que vem sendo debatido há mais de três anos, e se forem considerados somente os debates realizados no âmbito do Grupo de Trabalho Aperfeiçoamento da Legislação Brasileira – Internet (GTNET) na Câmara dos Deputados,

“foram realizadas 27 reuniões técnicas, incluindo 15 audiências públicas onde mais de 150 especialistas de diversos setores e áreas foram ouvidos. Além disso, a proposta ganhou mais centralidade diante das preocupações que cresceram, especialmente no contexto das eleições e na tentativa frustrada de golpe no 8 de janeiro, quando restou nítida a insuficiência da ação das plataformas digitais para conter a desinformação e os ataques à democracia. Esta conjuntura demonstra que a proteção da democracia e dos direitos humanos no ambiente digital necessita pactuação de novas ações e regras para enfrentar esses novos desafios”.

O CDR alerta que depois do 8 de janeiro e a crise de segurança das escolas, as empresas de tecnologia que dominam o mercado das mídias digitais (como Google/Alphabet, Amazon, Apple, Facebook/Meta e Microsoft, as chamadas Big Techs), querem adiar o debate e ganham, como aliados, indivíduos e grupos do cenário político, que lucram com a propagação de desinformação e de ações violentas decorrentes.

Segundo a coordenadora da RNCD Profa. Ana Regina Rego, “o relator do PL 2630/20 na Câmara Federal deputado Orlando Silva (PCdoB- SP), afirmou em entrevistas recentes que o PL absorveu sugestões que vieram do Governo e que tem como inspiração a lei dos Serviços Digitais da União Europeia (Digital Service Act- DSA) tais como: a ideia do dever de cuidado a partir das plataformas, a questão da análise de risco sistêmico, a criação de auditorias independentes, obrigações legais de transparência e criminalização do mercado da desinformação”. 

A Profa. Ana Regina Rego acrescenta que o Ministério da Justiça tem defendido a responsabilização civil das plataformas pelos danos causados por conteúdo gerado por terceiros (ou seja, elas seriam responsáveis pelo que permitem tornar público), porém isto “contraria o Artigo 19 do Marco Civil da Internet, que reza que as plataformas não podem ser responsabilizadas por tais conteúdos, a não ser se descumprirem decisões judiciais”. A coordenadora da RNCD explica que este é mais um ponto polêmico em discussão no governo, no Congresso, no STF e nas instituições da sociedade civil que acompanham de perto as questões vinculadas a regulação das plataformas e combate à desinformação no Brasil.

A CDR, que reúne 50 instituições e organizações da sociedade civil e da academia, lançou um documento em que chama atenção para dez pontos a serem considerados no processo de debate e de aprovação do PL 2630 para superação de divergências.

Imagem: Divulgação da CDR nas mídias sociais

O requerimento de urgência

Desde 2020 travado na Câmara Federal, em março de 2022, o PL ganhou nova versão do relator deputado federal Orlando Silva (PCdoB-SP), mas teve suas expectativas de aprovar o projeto antes das eleições presidenciais frustradas quando a Câmara rejeitou o regime de tramitação com urgência. 

O requerimento de urgência foi aprovado em 25 de abril pelo Plenário da Câmara, tendo em vista as medidas demandadas por conta de episódios violentos, como os assassinatos em escolas, alguns praticados por menores de idade, e vem se intensificando nos últimos meses incentivados por extremistas organizados nas mídias digitais. Os ataques golpistas contra a democracia do Brasil, concretizados em 8 de janeiro passado, também impulsionaram o projeto de lei.

O requerimento de urgência acelera a tramitação do texto, sem que ele passe por comissões e seja avaliado diretamente em plenário. A previsão é que o plenário da Câmara vote o mérito do PL neste 2 de maio. Caso seja aprovado pelos deputados, o texto passará por uma votação no Senado, que dará a palavra final sobre o texto.

Políticos notadamente identificados como propagadores de desinformação (conteúdo falso, popularmente denominado fake news, mas também enganoso, impreciso e inconclusivo, como Bereia tem apresentado em suas checagens), desde a apresentação do requerimento de urgência no início da atual legislatura da Câmara Federal, têm publicado material falso e enganoso contra a lei. Entre estes estão vários deputados com identidade religiosa, como Bereia publicou.

Pouca reflexão, muita desinformação

Lideranças religiosas, políticas e eclesiásticas, que já ocupavam as mídias sociais com desinformação contra o PL 2630 no processo de aprovação da urgência, continuaram a publicar que afirmam ser a nova lei um projeto de censura do governo federal contra a livre expressão das religiões, contra a publicação de textos bíblicos que apregoam moral sexual cristã em leitura conservadora nas mídias sociais.

Em 29 de abril, a Frente Parlamentar Evangélica, liderada pelo deputado federal Eli Borges (PL-TO), veio a público afirmar que orienta seus membros a votaram contra o PL 2630. Segundo a bancada, com base na desinformação circulante sobre a nova lei, o texto tem dispositivos que “penalizam a pluralidade de ideias e sobretudo os valores cristãos”.

Bereia pesquisou e não identificou elementos objetivos divulgados pelos políticos da Bancada Evangélica que demonstrem como a lei penaliza valores cristãos, uma vez nova lei busca não só o enfrentamento da farta circulação de mentiras mas também do ódio e da violência.  Publicações falsas e enganosas  continuam a circular, com o apoio das empresas que não querem ser reguladas, com uso de mentiras e pânico para convencer deputados e o público pela não aprovação da lei. Evoca-se os temas da censura, da perseguição a cristãos, da ação comunista, já tão checados pelo Bereia em ambientes digitais cristãos, atrelando-os ao projeto de lei.

Reprodução de imagem da página de abertura do Google em 1 de maio de 2023, com mensagem de campanha contra o PL 2630, denunciada por vários usuários da rede.

Imagem: reprodução de Instagram do deputado Pastor Marco Feliciano (PL-SP)

Religiosos denunciam mentiras e declaram apoio à Lei de Enfrentamento das Fake News

Um grupo de lideranças cristãs, evangélicas e católicas, favoráveis ao PL 2630, esteve na Câmara dos Deputados, neste 2 de maio, e ofereceu declaração pública, para demandar que parlamentares endossem o projeto no momento da votação. Em direção oposta à declarada pela Bancada Evangélica, o grupo formado pelos pastores e pastoras evangélicos Ricardo Gondim (Igreja Betesda), Sérgio Dusilek (Igreja Batista), Bispa Marisa Freitas (Igreja Metodista) e Camila Oliver (Igreja Batista Nazareth), e pelo Frei (Católico) Lorrane Clementino, se colocou em nome dos cristãos e cristãs que defendem a lei contra o uso de mentiras, do ódio e da violência como pauta política nas plataformas digitais. O grupo denuncia estas práticas que têm causado mortes, em especial, de crianças e adolescentes em escolas, além daquelas durante a pandemia de covid-19, provocadas por mentiras nas redes. Lideranças cristãs acompanharam o grupo em entrevista coletiva, entre elas o deputado federal pastor Henrique Vieira (PSOL-RJ), da Igreja Batista do Caminho.

Imagem: reprodução do Twitter

O pastor Ricardo Gondim declarou que o grupo esteve na Câmara Federal para “para mostrar que há um seguimento religioso cristão, evangélico e católico, que vê esse projeto de lei como uma defesa das crianças, dos mais vulneráveis e de pessoas menos informadas, mas também da soberania nacional. A ideia é mostrar a cara se um segmento evangélico que não abraça um partido, mas sim questões caras à nossa humanidade e critérios éticos”. Gondim acrescentou: “Não podemos permitir que empresas transnacionais, donas de seguimentos da informação em escala mundial, pautem o que pode ou não acontecer dentro de um país”.

O deputado pastor Henrique Vieira disse que o rol de crimes previsto pelo projeto é “taxativo” e “preciso”. Ele classificou o PL ainda como “bem amadurecido, bem escrito” e pontuou que ele tipifica “com objetividade quais crimes não queremos”.

Para saber mais:

Material da Coalização Direitos na Rede (CDR) https://www.instagram.com/p/CrtL5jBrhvV/

Para ajudar a enfrentar as mentiras usadas contra o PL 2630:

Material da Coalizão Direitos na Rede (CDR) https://www.instagram.com/p/Crs4Q-HO-tE/

Leave a Reply

Your email address will not be published. Required fields are marked *