Rubem Alves, um dos fundadores da Teologia da Libertação, morreu no dia 19 de julho, aos 80 anos de idade. Acadêmico, professor, ativista, psicoterapeuta e escritor, Alves foi lembrado por colegas, ex-alunos, jornalistas e chefes de Estado. Em sua página no Facebook, a presidente Dilma Rousseff lhe rendeu reverência, e o descreveu como “um dos intelectuais mais respeitados do Brasil.”
Desde o anúncio de sua morte, muitos fãs têm lembrado Rubem Alves a partir de diferentes perspectivas. Para alguns membros de igrejas e organizações ecumênicas, tem sido reverenciado como um grande inovador na educação que ajudou a forjar uma ética social cristã à luz da teologia da libertação e ajudou a moldar o campo de instituições de educação teológica de traço ecumênico, em colaboração com o Norte e o Sul, com programas como os do Conselho Mundial de Igrejas (CMI), a Federação Mundial dos Movimentos Estudantis Cristãos (FUMEC), SODEPAX e outros espaços internacionais e conferências de igrejas .
Alves disse uma vez que “os profetas são visionários que anunciam um futuro que está por vir, são poetas que estão projetando um futuro que pode acontecer. Poetas sugerem uma caminho.” Nesse sentido, Rubem Alves foi um poeta e profeta alinhado com o movimento ecumênico, em tempos de crise e de grande potencial.
Como um jovem estudante de teologia em Campinas, Brasil, nos anos 50, Alves se juntou a um grupo de seminaristas para, em suas palavras, “passar o verão como trabalhadores da fábrica em Villa Anastasio, São Paulo. A inspiração veio a partir da experiência dos padres operários franceses que não quiseram mais esperar que os trabalhadores viessem à igreja e tomaram a decisão de se reunir com eles no local onde trabalhavam e viviam “, lembrou.
Durante os anos 60, Alves mudaria sua carreira , passando do serviço pastoral numa comunidade presbiteriana e da pesquisa em teologia. Durante a ditadura militar, seu nome foi incluído em uma lista de pastores perseguidos pelo regime e decidiu continuar seus estudos fora do Brasil.
Alves fez pós-graduação no Union Theological Seminary, em Nova York, e no Seminário Teológico de Princeton, também nos Estados Unidos. Embora ele e o jovem teólogo católico Gustavo Gutiérrez estivessem trabalhando e publicando textos sobre o que eles chamavam de “Teologia da Libertação”, só se encontraram pela primeira vez em 1969, perto de Genebra, na Suíça, durante uma consulta teológica do SODEPAX , comissão ecumênica sobre sociedade, o desenvolvimento e a paz, co-patrocinada pelo CMI e a Igreja Católica Romana.
A filosofia, a vida e obra de Rubem Alves
Alves muitas vezes recebe crédito por ser responsável pela filosofia do processo SODEPAX, especificamente no que diz respeito aos princípios éticos por trás de sua abordagem das questões de tomada de decisões e ação social. Ao mesmo tempo, ele também participou de seminários e conferências organizadas por Igreja e Sociedade na América Latina (ISAL), um programa que tinha sido fortemente promovido e ampliado após a Conferência do CMI sobre Igreja e Sociedade, realizada em Genebra em 1966.
Através do programa de educação do CMI, coordenado pelo educador brasileiro Paulo Freire, ISAL e FUMEC , presidido por M. Richard Shaull entre 1968 e 1972, seu orientador de tese. Alves se tornou uma figura bem conhecida em conferências ecumênicas internacionais e simpósios, culminando com o seu lançamento em 1979, da conferência do CMI e de Igreja e Sociedade sobre o tema da fé, da ciência, da tecnologia e do futuro, que se realizou no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), Cambridge, EUA.
Depois de voltar para o Brasil, Alves se tornou professor universitário e suas áreas de interesse que vão da teoria da educação para a filosofia construtivista. Suas obras cobriram muitos campos, incluindo livros infantis, acrescentando psicoterapia ao seu currículo e criando sua própria clínica.
A pastora Sonia Mota Gomes, da Igreja Presbiteriana Unida do Brasil (IPU) e secretária-executivo da CESE, organização ecumênica brasileira que defende os direitos humanos, a justiça e a paz, tive contatos com Alvesdurante a sua participação na vida da igreja. No início desta semana, Sonia Alves recordou o papel na formação da Igreja Presbiteriana Unida (IPU):
“Rubem Alves foi parte de um grupo de pastores, homens e mulheres líderes, que refletem e se organizam como uma igreja reformada, com uma nova maneira de ser e da que é agora chamada Igreja Presbiteriana Unida. Com sua contribuição acadêmica e compromisso ecumênico e social, ajudou na elaboração dos documentos fundadores que são a base da IPU. Ouvir sua pregação era como caminhar através de misteriosos jardins. Ele não estava interessado em nos dar lições de moral ou passar as verdades absolutas e incontestáveis. Como bom teólogo , filósofo e educador estava mais interessado em nos fazer pensar, questionar as verdades imutáveis da teologia e nos instar a imaginar novas possibilidades e novas formas. Rubem Alves nos abria desertos e nos convidava a ser jardineiros e jardineiras “.
Nos últimos anos, Alves manteve o toque pastoral e profética com as pessoas que ele conheceu, mas a sua associação direta com a religião institucional foi bem mais reservada .
Após a morte de Richard Shaull, teólogo e líder da FUMEC, sob os auspícios dos quais estudou em Princeton e Campinas, Alves escreveu uma homenagem breve e comovente, que foi publicada em setembro de 2006 pela Aliança Mundial das Igrejas Reformadas em seu jornal Reformed World, intitulada “Através dos olhos de Dick Shaull”. Alves descreveu seu amigo como um poeta e profeta que muitas vezes batia cabeça com pessoas de influência nas igrejas. Alves escreveu: “Os profetas são seres amaldiçoados.”
Ele concluiu o ensaio sobre a morte de seu mentor, com as seguintes palavras: “Agora que você está encantado, é verdade que plantarei uma árvore por ele no meu pequeno lugar solitário, no topo de uma montanha, na beira de um vulcão, juntamente com árvores de outros conspiradores. Quando ninguém está por perto, as árvores comversam umas com as outras … “
* Editor-chefe do departamento de Publicações do CMI, em Genebra, e pastor da Igreja Presbiteriana dos EUA, com relatos de Marcelo Schneider, correspondente Comunicação CMI para a América Latina