Magali do Nascimento Cunha

Tudo isso me lembra a conhecida história da Bíblia sobre a Torre de Babel, uma narrativa do início da vida humana em sociedade. Um grupo desejou se tornar célebre e poderoso e planejou a construção de uma cidade e de uma torre que chegaria aos céus. Tal grupo se colocaria na altura do Deus Criador e controlaria outros grupos humanos. Quem chama a atenção para essa leitura é o pastor evangélico luterano e renomado teólogo Milton Schwantes, falecido em 2012. Ele ensinou que o projeto divino, baseado em comunhão e harmonia em meio às diferenças, havia sido corrompido. Isso é claro quando a narrativa revela o contexto do plano do grupo: “em toda a terra havia apenas uma linguagem e uma maneira de falar”. Uma unidade imposta pelo projeto de dominação e concentração: uma única maneira de falar, a linguagem que torna possível o poder de uns sobre outros.
O texto narra que Deus, então, desceu para ver a cidade e a torre (afinal, Ele está muito acima desses projetos humanos) e disse: “Desçamos e confundamos ali a linguagem desta cidade, para que um não entenda a linguagem de outro”. Assim, “o Senhor dispersou o grupo pela superfície da terra e cessou de edificar a cidade, e foi dado a ela o nome Babel”. Nesse olhar da narrativa, Deus dispersou e confundiu a ideia de linguagem única, do controle e da dominação, garantindo a diversidade. É assim que se realiza o projeto do Criador para a humanidade, e não na língua única dos que se colocam na altura de Deus e contribuem para desumanizar o mundo.
Precisamos superar a linguagem única do pessimismo e da violência que imobiliza ou gera vândalos e serve para conservar a lógica vigente de injustiça e falta de paz. Precisamos da experiência de Babel que, nesse sentido, não significa confusão, mas uma ação divina e humana que garanta a diversidade e disperse o controle. Significa dar voz aos silenciados, potencializar as ações e as palavras que humanizam. Que os protagonistas dos discursos sociais e políticos, incluindo as religiões, as igrejas e as mídias, promovam uma nova forma de falar e ouvir. Quem sabe assim o testemunho de uma jovem humana possa aparecer numa primeira página ou numa tela para contagiar outros humanos?