Evangélicos e católicos se unem no Congresso Nacional

Helder de Lima, RBA

Graças ao voto conservador para a Câmara Federal e à presença de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) na presidência da Casa, trabalhadores e outros segmentos da sociedade brasileira se mobilizam para impedir o Projeto de Lei 4.330, que expande a terceirização para as atividades-fim das empresas, e a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos.

Muito da onda conservadora que varre a Câmara ganha apoio da bancada evangélica, que é a terceira da Casa em número de parlamentares e a primeira a defender os “valores sagrados” da família, contra os direitos dos segmentos LGBT e dos grupos de direitos humanos.

Mas, afinal, o que se passa com a bancada evangélica e como entender a sua ascensão em um país que hoje vive a contradição de ter um governo central progressista e um parlamento conservador?

A jornalista e professora Magali do Nascimento Cunha, da Universidade Metodista de São Paulo, que desenvolve estudos sobre a bancada evangélica, afirma que a pauta dos evangélicos hoje encontra eco em outros setores da sociedade e, por isso, a sua repercussão.

“Mais recente é o forte tradicionalismo moral que tem marcado a atuação da Frente Parlamentar Evangélica, que trouxe para si o mandato da defesa da família e da moral cristã contra a plataforma dos movimentos feministas e de homossexuais e dos grupos de direitos humanos, valendo-se de alianças até mesmo com parlamentares católicos, diálogo historicamente impensável no campo eclesiástico. Este discurso tem um apelo que atinge não só evangélicos, mas também católicos e outros grupos sociais mais conservadores que nem são ligados à religião”.

Em entrevista, a professora faz um balanço destes primeiros tempos da bancada na nova legislatura, mas adverte que não podemos falar em uma representação unificada dos evangélicos na Câmara, a despeito de sua força: “Primeiro porque ‘evangélicos’ é um segmento social de uma diversidade que em um parágrafo já não se pode explicar. Falamos de uma enorme gama de grupos desde os históricos ligados à Reforma Protestante, os pentecostais relacionados aos movimentos avivalistas nos Estados Unidos e na Escandinávia, aos grupos independentes nascidos no Brasil desta ou daquela experiência e que se concretizam em incontáveis denominações”.

Leia a entrevista a seguir.

Por conta do perfil conservador do Congresso, o Brasil está discutindo hoje o PL 4.330, sobre terceirização, e a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos. Como você vê o peso da bancada evangélica nesse cenário?

A bancada evangélica, desde a sua formação em 1986, nunca teve uma pauta progressista, ou de esquerda. Os parlamentares evangélicos até os anos 2010 não eram identificados como conservadores do ponto de vista sociopolítico e econômico, como o é a Maioria Moral nos Estados Unidos, por exemplo.

Seus projetos raramente interferiam na ordem social: revertiam-se em “praças da Bíblia”, criação de feriados para concorrer com os católicos, benefícios para templos. O perfil dos partidos aos quais a maioria dos políticos evangélicos estava afiliada refletia isso bem com recorrentes casos de fisiologismo.

Mais recente é o forte tradicionalismo moral que tem marcado a atuação da Frente Parlamentar Evangélica, que trouxe para si o mandato da defesa da família e da moral cristã contra a plataforma dos movimentos feministas e de homossexuais e dos grupos de direitos humanos, valendo-se de alianças até mesmo com parlamentares católicos, diálogo historicamente impensável no campo eclesiástico.

Este discurso tem um apelo que atinge não só evangélicos, mas também católicos e outros grupos sociais mais conservadores que nem são ligados à religião. É na última legislatura que vemos emergir uma pauta mais conservadora do ponto de vista sociopolítico e econômico entre os evangélicos, que são uma frente parlamentar estratégica, a terceira do congresso em número.

Isto é um sinal de mudança de postura tanto de boa parte dos parlamentares evangélicos, que se veem com força para pautar temas para além da moralidade sexual, como de políticos não-religiosos identificados com o conservadorismo e que veem neste grupo um aliado.

O que temos nos movimentos conservadores é que são causas reacionárias frente a avanços conquistados por movimentos sociais nas últimas décadas e estes grupos têm encontrado bastante eco na sociedade.

E o papel de Eduardo Cunha, que é ligado à bancada? Ele é mais responsável do que a bancada pela pauta conservadora que está em discussão com esses projetos?

Eduardo Cunha não está no cargo de presidente da Câmara porque é evangélico. Está pelo seu histórico de aliado das empresas de telefonia e de liderança do PMDB. Tornou-se evangélico há pouco mais de dez anos, o que foi um reforço a mais ao seu poder de penetração e já mudou de denominação, identificando a força das Assembleias de Deus para onde migrou como membro no final de 2014, deixando a Igreja Sara Nossa Terra, que o vinha apoiando.

Portanto, a pauta de retrocessos é dele como político dos empresários e da ala mais conservadora do PMDB. O fato de ele ser evangélico reforça isso e lhe dá mais margem de negociação como integrante destacado desta que é a terceira bancada da Câmara.

Ao se colocar contra os direitos LGBT, a bancada evangélica está fomentando a homofobia?

Qualquer tema ligado à sexualidade humana desperta paixões, particularmente quando uma cultura é construída sob os princípios patriarcais de forma tão intensa como é a cultura latina, em que as bases cristãs-ocidentais estabeleceram o ato sexual como uma prática cujo objetivo exclusivo era a procriação, sendo os filhos a continuidade da família e sua herança.

A moralidade cristã (de evangélicos e católicos romanos) no que diz respeito ao corpo está baseada nos princípios patriarcais e na repressão à liberdade e ao prazer.

Portanto, é da natureza desses grupos religiosos cristãos reagir a todo e qualquer avanço que coloque o patriarcalismo e a moral sexual tradicional em xeque. A bancada evangélica se apresenta como credenciada para a defesa dessa moral tradicional e tem católicos como aliados. Isso é uma pauta homofóbica e que fomenta a homofobia, sim.

Algumas informações dão conta de que cultos evangélicos têm sido realizados dentro da Câmara. O que você pensa a respeito? Como fica a discussão sobre o Estado laico?

O Estado laico é uma busca não plenamente alcançada, desde que o Estado se desvinculou da Igreja Católica com a República. Esta questão está mais acesa agora à medida que temos uma bancada identificada como religiosa no Parlamento com poder de decisão baseado nos seus preceitos de fé.

No entanto, não podemos colocar apenas nos evangélicos o peso do comprometimento da laicidade do Estado. Há muitos anos, a fé católica romana interfere na dinâmica social, política e cultural do país, a começar com a existência de feriados nacionais relacionados aos santos e às festas católicas, passando pelos crucifixos em destaque nas paredes das repartições públicas e tribunais de Justiça até chegar ao Acordo Brasil-Vaticano, de 2009, que concede isenção tributária a instituições católicas, privilegia a Igreja Católica no ensino religioso nas escolas públicas e garante cooperação para preservar e valorizar os bens culturais da Igreja Católica.

O que os evangélicos fazem agora no parlamento é ampliar este espaço que já é dado pelos poderes da República ao catolicismo.

Tudo isso é grave na medida em que constitucionalmente somos um país laico que garante liberdade de crença. Isso significa direitos a todos que incluem os que não creem. Questionar as posturas da bancada evangélica é imperativo, mas este questionamento deve ser acompanhado das posturas em relação ao catolicismo também.

Você acredita que da legislatura passada para a atual houve um ganho de peso/influência da bancada evangélica, apesar de numericamente ela ter crescido apenas de 73 para 75 deputados?

A partir do Congresso Constituinte eleito em 1986 houve uma mobilização de igrejas para terem representantes no Congresso que votaria a nova Constituição depois da ditadura militar. Foram 32 eleitos naquele pleito.

Configurou-se então uma nova força não só política, mas sociocultural, com o crescimento intenso dos evangélicos a partir dos anos de 1990, que buscaram ocupar espaços na esfera pública, em especial os grupos pentecostais, com aquisição de mídias e projetos políticos muito claros – caso da Igreja Universal do Reino de Deus e da Assembleia de Deus.

Depois de altos e baixos em termos numéricos, desde o Congresso Constituinte, decorrentes de casos de corrupção e fisiologismo, a bancada evangélica se consolidou como força, o que resultou na criação da Frente Parlamentar Evangélica (FPE) em 2003.

Tudo isso é resultante do crescimento das igrejas evangélicas, em especial as pentecostais, e do desejo desses grupos de mais visibilidade e influência social. Soma-se a isso o claro projeto político de igrejas como a Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus de ocupação e criação de partidos e busca de mais poder decisório na esfera pública.

Frente aos 513 deputados da Câmara Federal, a bancada evangélica, com 75 deputados, detém 14,6% das cadeiras, enquanto o IBGE indica que 22% da população são de evangélicos. Você acredita que os evangélicos estão bem representados na Câmara?

Não podemos falar que os deputados na Câmara representam os evangélicos. Primeiro porque “evangélicos” é um segmento social de uma diversidade que em um parágrafo já não se pode explicar. Falamos de uma enorme gama de grupos desde os históricos ligados à Reforma Protestante, os pentecostais relacionados aos movimentos avivalistas nos Estados Unidos e na Escandinávia, aos grupos independentes nascidos no Brasil desta ou daquela experiência e que se concretizam em incontáveis denominações. Temos na Câmara 15 igrejas representadas, e 11 delas são pentecostais.

A Igreja Universal do Reino de Deus e a Assembleia de Deus são as duas grandes forças desse grupo, com mais de 50% dos deputados. Essas duas denominações evangélicas têm um projeto político claro e podemos dizer que os seus deputados as representam.

Os outros 50% estão distribuídos por 13 diferentes denominações, oito delas com apenas um deputado eleito e que está lá não representando o seu grupo, mas com um projeto pessoal. Só estes dados já jogam por terra a tese de que há uma representação.

Tamanha diversidade dos evangélicos no Brasil, diversidade que está no interior dos próprios grupos na sua singularidade, torna impossível que falemos de representação. Esta tese é uma armadilha de algumas lideranças em busca de poder político e religioso na qual as mídias noticiosas são capturadas e reproduzem sem reflexão e pesquisa.

A dissidência dentro da bancada evangélica que você previu no estudo do Diap (Radiografia do Novo Congresso) está de fato acontecendo? O que é possível notar sobre isso neste início de legislatura?

Ainda é cedo para uma avaliação mais precisa, mas nestes primeiros meses de legislatura é possível ver claramente o fiasco da presença do Cabo Daciolo no Psol-RJ. Se se esperava um candidato evangélico com propostas e postura de esquerda por ser vinculado ao Psol já está claro que isto não se concretizou, nem se concretizará.

Portanto, dos integrantes de partido de esquerda que mencionei no artigo, um deles já está descartado. Os outros, do PT, no caso da PL da Terceirização, se colocaram contrariamente.

Clarissa Garotinho (PR-RJ, presbiteriana) se manifestou contra a eleição de Eduardo Cunha à presidência da Câmara, mas, ao que tudo indica, foi uma oposição pontual pelas divergências políticas de Cunha com a família Garotinho, já que ela tem exposto nas entrelinhas de redes sociais simpatia ao tema da redução da maioridade penal, mas votou contra a PL da Terceirização. Por sinal, neste caso do PL ocorreu o que se poderia prever, com 40 evangélicos votando “sim” e 15 votando “não”.

Mas, ao mesmo tempo, temos um retrato de como a bancada evangélica pode ser previsível por suas características gerais mas não em particularidades. Por exemplo, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB, batista) votou “sim”, mas foi o único evangélico membro da CCJ a votar “não” para a PEC da Maioridade Penal.

Por outro lado, entre os 15 que votaram “não” à PL da Terceirização estão conservadores no campo dos direitos humanos como os assembleianos Marco Feliciano (PSC-SP), Ronaldo Fonseca (Pros-DF) e Sóstenes Cavalcante (PSD-RJ). É preciso muito monitoramento e reflexão para entender tanta complexidade.

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