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A Constituição Federal garante que, no Brasil, o estado é laico. Ainda assim, casos de intolerância religiosa são frequentes no país. E o assunto foi tratado na redação do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) de 2016. Com o tema “Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil”, o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) fez milhões de jovens discutirem a pauta. A escolha foi aprovada por líderes religiosos.
— Acho extremamente oportuno que esse tema seja tratado com a juventude brasileira. É um problema mundial, mas, sobretudo, local. O Brasil é muito intolerante — afirmou o diácono Nelson Águia, da Arquidiocese do Rio.
Nelson se mostrou curioso em relação ao pensamento dos candidatos. Para ele, a divulgação de algumas redações poderia ser benéfica, por revelar a visão dos jovens sobre o tema. E a presidente da Congregação Espiritual Umbandista, Fátima Damas, concorda.
— Entender o que a garotada pensa seria fundamental. É importantíssimo para ampliar as ideias e o conhecimento. Acontece no mundo inteiro, mas aqui, contra a umbanda e o candomblé, está demais. Por mais que a gente lute, não temos respaldo — comenta Fátima.
O pastor Silas Malafaia considera o tema contextualizado com o atual momento do país. Ele diz que sua própria religião também é vítima de intolerância. E critica os mais radicais.
— Se tem algum evangélico, espírita ou católico intolerante, ele não representa o pensamento das religiões, menos ainda suas lideranças. As práticas de uns não podem ser espalhadas para o todo — afirma o pastor.
Para o babalaô Ivanir dos Santos, da Comissão de combate à Intolerância Religiosa, a escolha do tema foi um passo importante. Mas pede que o assunto seja ainda mais aprofundado.
— Nós de matriz africana sofremos muito com essa violência. Importante tratarmos não só na redação, mas continuamente na escola. É o melhor meio para disseminar o respeito — diz Ivanir.
Vítimas comemoram a escolha do tema
A menina Kaylane Coelho (foto acima) ainda não chegou no momento de fazer o Enem. Mas, aos 13 anos, conhece muito bem o tema da redação. Ela foi uma das muitas vítimas do ódio e da intolerância contra religiões afro-brasileiras. Quando ainda tinha 11 anos, foi apedrejada na cabeça, simplesmente por estar na rua com trajes brancos do candomblé. A pedra fez dela mais forte e a transformou em ativista contra a intolerância, apesar da pouca idade. Ao saber, pela internet, o assunto tratado na prova, comemorou.
— Nem todo mundo presta atenção no caso da religião, nem todo mundo sabe do que se trata ou procura saber. Quando você faz a prova do Enem, é obrigado a pensar sobre a respeito e acaba sabendo mais — diz.
A avó de Kaylane, Kátia Marinho, é mãe de santo e também ficou satisfeita com o tema.
— Para a gente que levanta essa bandeira, foi um avanço na conscientização dos jovens. Principalmente para quem não entende a intolerância com a gravidade que ela tem — afirma Kátia.
Em coletiva de imprensa, a presidente do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), Maria Inês Fini, afirmou que o tema foi uma oportunidade de provocar reflexões na juventude: “Eu espero que a reflexão desse tema tão festejado possa de fato trazer para nossa juventude o ideário de reflexão de tolerância, de respeito aos Direitos Humanos, as nossas diversidades de crença, de religião”.
Outros casos
Em abril de 2010, um caso singular de intolerância ao candomblé ocorreu no Rio de Janeiro. José Ricardo Mitidieri, sargento do Exército brasileiro, que é também pastor protestante da Comunidade Cristã do Ministério da Salvação, apontou uma arma de fogo, pistola 9mm, na cabeça de um de seus soldados, Dhiego Cardoso Fernandes dos Santos, adepto do candomblé. O objetivo de tal ato seria “testar” a fé de Dhiego, que dizia ter o “corpo fechado”.
— Não é para você brincar com coisa séria. Você tem que aceitar Jesus! — dizia José Ricardo ao apontar uma arma para a cabeça de seu subordinado.
O sargento, depois do ocorrido, disse que “não teve o objetivo de constranger o soldado” e que “nunca teve qualquer preconceito com as demais religiões”. Mitidieri foi condenado pelo Superior Tribunal Militar em decisão unânime ocorrida em 3 de novembro de 2011 a dois anos de prisão.
Chute na santa
Um outro fato marcante foi o episódio do chute na santa: durante o programa “O Despertar da Fé”, transmitido ao vivo pela Rede Record, o pastor Sérgio von Helder proferiu insultos verbais e físicos contra uma imagem de Nossa Senhora de Aparecida, à qual se dedicava o feriado do dia. O pastor da Igreja Universal protestava contra o caráter do feriado nacional de 12 de outubro, não aceitando a crença da Igreja Católica. — Será que Deus, o criador do universo, pode ser comparado a um boneco desse tão feio, tão horrível, tão desgraçado — argumentava o pastor. O acontecimento provocou forte repercussão em grande parte da sociedade brasileira.
“Meu Jesus não foi feito para ser enfeite de homossexual”
Em um vídeo publicado na internet em abril de 2013, o pastor e deputado Marco Feliciano classifica a religião católica como “morta e fajuta” e critica o costume dos católicos de usarem crucifixos de Jesus no pescoço. Embora afirme não ser homofóbico, o pastor menciona os homossexuais, ao dizer: — O meu Jesus não foi feito para ser enfeite de pescoço de homossexual, nem de pederasta, nem de lésbica.
Com informações do Jornal Extra, do Portal Brasil e da Wikipédia
Foto: Reprodução TV Globo / RJTV