Boas práticas CFE: Pastoral Afro Brasileira

Como ser fiel ao mandato evangelizador do Mestre Jesus Cristo, tendo presente que mais de “10 milhões de africanos foram escravizados nas Américas entre 1492 e 1870” [1], forçados a trabalhar nas plantações de tabaco, cana-de-açúcar, café, algodão, arroz, em minas de ouro e de prata e ao serviço doméstico? [2] De fato, os afrodescendentes são mais 54% da população brasileira. Na Bahia, cuja capital tem a maior população negra fora da África, os afrodescendentes são mais de oitenta por cento, ultrapassando a noventa no recôncavo baiano, em cidades como São Gonçalo dos Campos, Conceição da Feira e Antônio Cardoso. É o povo que nos foi confiado para que cuidássemos com toda dedicação e zelo apostólico. Sua cultura de origem africana, de modo algum, pode ser negligenciada. Torná-la conhecida e valorizada é missão da Pastoral Afro, despertando em toda a Igreja a solicitude pastoral com essa gente sofrida, para que tenha vida e vida e vida em plenitude.

Nos seus trinta anos, a pastoral afro-brasileira, instituição ligada a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, desafiada a cumprir a sua missão, numa postura de diálogo, conseguiu valiosas parcerias com os diversos setores da sociedade, viabilizando ações concretas de superação da cultura do ódio e da violência, que reconhecem o outro como dom e graça de Deus para toda a humanidade.

Neste ano em que a Campanha da Fraternidade nos propõe refletir sobre Fraternidade e diálogo: compromisso de amor com o lema “Cristo é a nossa paz: do que era dividido, fez uma unidade (Ef 2,14), temos a alegria de compartilhar algumas atividades, que exigiram grande capacidade de articulação em vista de um bem maior que foram acompanhadas pela Pastoral Afro brasileira, convictos que a reparação do crime de lesa humanidade, a escravidão, passa necessariamente por ações afirmativas.

1- CONTRIBUIÇÃO PARA A HOMOLOGAÇÃO DO ESTATUTO DA IGUALDADE RACIAL

O Estatuto de Igualdade Racial, antiga reivindicação do movimento social negro, aprovado na Câmara e Senado, e homologado pela Presidência da República, graças à atuação militante das diferentes entidades do movimento negro organizado, inclusive a Pastoral Afro Brasileira. A CNBB, através da pastoral afro-brasileira, marcou presença no Congresso Nacional, dialogando com os Deputados e Senadores, buscando aprovação do texto original do Estatuto. Apesar de emendas, o texto é um referencial dos direitos dos negros enquanto cidadãos.

2- PARTICIPAÇÃO NO GRUPO DE TRABALHO DE COMBATE AO TRABALHO ESCRAVO

Após uma visita a CNBB de Agentes Sociais, em agosto de 2009, preocupados em combater, prevenir e apoiar as iniciativas de reinserção de pessoas que viviam em realidades análogas à escravidão, foi criado um Grupo de Trabalho que viabilizou a denúncia deste odioso crime no Brasil. O trabalho foi intensificado nas regiões onde o fragrante desta realidade era mais frequente, sobretudo, nas regiões fornecedoras de mão de obra escrava. Encontros foram realizados em cada região com participação de agentes locais de pastoral, obedecendo aos seguintes propósitos: a) Conceituação de Trabalho Escravo; b) Compreensão do processo de escravidão e como se dá o seu ciclo no Brasil; c) mecanismos, políticas e iniciativas de combate; d) percepção de como acontece na realidade local; e) Iniciativas locais para o seu combate e superação.

Coordenado pela Pastoral Afro Brasileira em parceria e diálogo com outras pastorais e entidades da sociedade civil, foi, sem dúvida, uma ação significativa, sobretudo, pela conscientização e visibilidade da problemática, culminando com a realização de uma Campanha da Fraternidade em 2014 sobre o tema ligado a o tráfico humano tendo como lema “foi para a liberdade que Cristo nos libertou” (Gal 5,1)

3- CAMPANHA PELA SUPERAÇÃO DO RACISMO NA INFÂNCIA E ADOLESCÊNCIA -2011

Em 2010, a pastoral afro-brasileira participou em nome da CNBB de um diálogo com a UNICEF em vista de uma campanha para a superação do racismo na infância e adolescência a ser realizada em 2011. Assumida em âmbito mundial, e protagonizada aqui no Brasil pela pastoral afro brasileira com colaboração de várias entidades, a campanha estava voltada, especialmente, ao público infantil e adolescente. São eles os mais vulneráveis ao racismo, sendo prejudicados na vida escolar e na socialização. O trabalho voltou-se para as escolas, famílias e comunidades como conscientização da existência do racismo e como articulação para a sua superação.

4- CELEBRAÇÕES VIVAS E INCULTURADAS

O Pe. Lázaro Muniz que por sete anos esteve à frente da Igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos nos brinda com alguns testemunhos: “Celebrar a fé na igreja do Rosário dos Pretos em Salvador é uma experiência espetacular!”, diz um visitante de um Centro Umbandista. “Rezar no Rosário é uma graça libertadora!”, afirma uma pastora evangélica. “Entrar nesta igreja é um evento de integração e resistência!”, afirmação que ouvi de um Babalorixá de Salvador. Testemunhos e afirmações como estas poderiam ser descritas em inúmeras páginas para relatar o serviço pastoral litúrgico da Venerável Ordem Terceira do Rosário de Nossa Senhora às Portas do Carmo, Irmandade dos Homens Pretos em Salvador, um espaço de celebração inculturada.

Uma celebração católica com instrumentos afro brasileiros que se ligam às origens africanas, num processo identitário, revelando o modo africano de ser e estar no mundo, de uma forma ressignificada na liturgia católica. Uma expressão de negritude que não pode ser perdida. Um caminho de resistência contra o racismo étnico, religioso e estrutural. O negro que canta e louva dizendo: “Repare nossas mãos abertas trazendo as ofertas do nosso viver!” Uma liturgia católica, porém, inclusiva, dançante, alegre, partilhada, aberta às atividades de luta e de afirmação da negritude que mais uma vez expressa cantando: “Ó que coisa bonita, ó que coisa bonita, Deus Pai libertador, cria negra cor, ó que coisa bonita!”

INSTITUTO ANTONIO GASPARINI

Criado em 2014 como Núcleo de Prática Musical (NPM), tornou-se em setembro de 2019, o primeiro Núcleo Territorial do NEOJIBA (NTN)em Feira de Santana na Bahia – Antônio Gasparini que desenvolve atividades musicais para cerca de 190 crianças, adolescentes e jovens, em bairros da periferia da cidade, apoiando diversos projetos musicais de 85 municípios da região, por meio das ações territoriais. Aulas de iniciação musical, prática musical coletiva, canto coral e orquestras, luteria e reparo de instrumentos musicais são oferecidos. Há ofertas de bolsas anuais para seleção de Multiplicadores Territoriais. Mais de 16 mil pessoas foram alcançadas. Em 2018, pela sua ação afirmativa relevante o NTN Feira ganhou o prêmio Levi’s Music Project. Apoio às bandas, filarmônicas, fanfarras escolares e outras iniciativas de prática musical coletiva fazem parte da sua missão, assim como a tutoria de cerca de 21 bolsistas do Programa de Capacitação em Ensino Coletivo de Música (PROCEC).

A exitosa experiência é uma parceria realizada pelo Governo da Bahia, o Instituto Antônio Gasparini (IAG), da Igreja de Feira de Santana, o Governo Municipal, e Empresas, através do Programa Fazcultura.


[1] Texto base do XIV EPA – A espiritualidade afro-Americana e os desafios do século XXI p. 9
[2] Texto base do XIV EPA– A espiritualidade afro-Americana e os desafios do século XXI p. 9

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