Por Lusmarina Campos Garcia-
Ano Novo é tempo de pensarmos no futuro, de construirmos visões de futuro. É por esse motivo que compartilhamos palavras boas com quem está perto de nós quando “o ano vira”. Usamos vocábulos de conteúdo positivo que expressam o desejo de paz, felicidade, alegria, sucesso, beleza, saúde, vida plena. Todas estas são palavras-desejo para um tempo que não existe, porque o futuro está sempre por vir. Mesmo assim ele é real na medida em que nele nos projetamos, depositamos os nossos sonhos, inscrevemos a nossa esperança. O futuro constitui-se assim como uma referência, um indicador de direção e um depositário das possibilidades que ainda não estão dadas, mas que já são imaginadas, buscadas, ansiadas. É assim que as construções que fazemos na direção do futuro tornam o futuro presente posto que o tempo é, em nós, na medida em que somos, vivemos, existimos, pensamos, planejamos, imaginamos, decidimos ir adiante.
Ao iniciarmos 2024, que visões de futuro construímos?
O que imaginamos para nós mesmos enquanto indivíduos, enquanto famílias, enquanto comunidades, enquanto país? O que buscamos enquanto humanidade?
Como cidadãos e cidadãs brasileiras, podemos desejar que em 2024 seja possível especificar políticas sociais e econômicas que aprofundem a redução da desigualdade. Podemos ansiar pelo tratamento igualitário para todos os segmentos religiosos do país e pela afirmação da diversidade. Podemos antever a erradicação da fome, o desenvolvimento de uma cultura realmente democrática que afugente o extremismo de direita tão presente em nossa sociedade. Podemos enumerar uma grande lista de coisas boas que o Brasil tem condições de realizar e irá fazê-lo. Podemos também não esquecer de países e povos cujas perspectivas de futuro não são tão promissoras quanto as nossas.
Nesse sentido, desafia-nos a visão de futuro com relação à Palestina. A guerra de Israel contra o povo palestino usurpa toda a possibilidade de futuro para essa população, e sub-repticiamente, para nós também. Para a população palestina, a usurpação é real, literal, concreta, corporal. É assassinato, extermínio, genocídio, destruição de todas as edificações, toda a infraestrutura, todas as casas, ruas, hospitais, escolas; tudo virou escombro e acima de 20.000 vidas já não existem. Para nós, é a inauguração do mais absoluto desamparo, uma vez que está evidente que a lei internacional não funciona, os mecanismos de resolução de conflitos concebidos no âmbito da ONU não possuem efetividade, o autoritarismo de Israel em pacto permanente com os Estados Unidos se impõe sobre o mundo, o argumento forjado de “autodefesa” para propósitos de extermínio é esfregado cotidianamente na cara da humanidade. Mais uma vez fica comprovado que é o poderio armamentista aquele que define quem vai viver ou morrer no mundo.
De acordo com a classificação do Global Firepower (Poder de Fogo Global) de 2023, Israel ocupa a décima oitava posição em poder de fogo no mundo, mas os Estados Unidos ocupam a primeira. Para o desenvolvimento do Índice de Poder Militar foram considerados os seguintes fatores: número de tropas em serviço ativo nas forças armadas, força terrestre (tanques, veículos blindados, projetores de foguetes e baterias de artilharia, robôs), força naval (porta-aviões, fragata, destroyer, corvetas, submarinos e navios patrulha) e força aérea (asa fixa e rotativa). A partir da análise de poder militar dos países do mundo, está claro que o prosseguimento da guerra de Israel contra o povo palestino só é possível devido ao pacto permanente entre Israel e Estados Unidos. Tal pacto ocorre não apenas através do poder militar em si, mas do poder de veto dos Estados Unidos no Conselho de Segurança da ONU, travando qualquer iniciativa humanitária por parte dos países que não concordam com o extermínio do povo palestino. O pacto Israel-Estados Unidos está matando seis crianças a cada hora e já fez morrer oito mil crianças nos últimos dois meses e meio. Estes países são responsáveis pela impossibilidade de futuro para o povo palestino e pela destruição dos mecanismos que, no último século, asseguraram um futuro relativamente pacífico para a humanidade.
O povo palestino tem direito ao futuro! A humanidade e o planeta têm direito ao futuro! A guerra, essa estrutura masculina de destruição e morte não só de pessoas mas da terra e das espécies que nela habitam, não pode continuar sendo a resposta para interesses divergentes. Precisamos começar a construir um futuro no qual a indústria bélica seja controlada e haja equilíbrio entre as nações no sentido de limitar a quantidade de equipamentos, armamentos, pessoal, e no sentido de estabelecer o tipo de tecnologia a ser usada. É preciso haver paridade nos fóruns internacionais para que um ou dois países não tenham a capacidade de travar a vontade de convivência pacífica dos demais. A capacidade militar de uma nação não pode continuar sendo o instrumento de colonização e extermínio de outros povos.
Queremos futuro para o povo palestino! Queremos crianças brincando nas ruas reconstruídas de Gaza, nas calçadas de Khan Yunis, nas encostas de Jabalia. Queremos árvores frutíferas crescendo na terra e animais que retornam seguros ao seu habitat natural. Queremos ver os habitantes da faixa de Gaza banhando-se no mar Mediterrâneo porque, finalmente, as águas se tornaram livres para que nelas se banhe um povo livre. Palestina livre! Essa é a visão de futuro que queremos construir.
Feliz 2024!
A autora é teóloga/pastora luterana, pesquisadora em Direito da FND/UFRJ