Apresentação sobre os artigos “Cooperação Internacional para o Desenvolvimento e Organizações da Sociedade Civil”

Mara Manzoni Luz e Sheila Tanaka-

Nos últimos anos, novos contextos políticos, econômicos e sociais no Brasil e na Europa alteraram as relações de cooperação para o desenvolvimento. Face às drásticas mudanças sofridas a partir do golpe de 2016 no Brasil, com o consequente reposicionamento do país no âmbito internacional, a atualização dessas políticas e seus atores é fundamental para traçar novas estratégias rumo a agendas conjuntas que afirmem a centralidade da democracia, da justiça, da equidade e dos direitos humanos.

A redução dos espaços da sociedade civil, o impacto dos fundamentalismos nos direitos humanos e na democracia, a volta do Brasil ao mapa da fome, o negacionismo climático e da pandemia de COVID 19, bem como a fragilização das relações internacionais por parte do governo brasileiro, têm sensibilizado atores europeus sobre o Brasil. Entrevistas com atores internacionais reforçaram como o brutal desmonte das políticas públicas sociais e ambientais, a destruição dos biomas, especialmente a Amazônia, o aumento da criminalização dos movimentos e o ataque a pessoas defensoras de direitos e da natureza têm influenciado novas percepções sobre o país. Vários assinalaram que há possibilidades para sensibilizar novos setores e reposicionar o papel que as Organizações da Sociedade Civil (OSCs) podem cumprir no aprofundamento das relações de solidariedade internacional.

Além das mudanças conjunturais do contexto nacional, as relações de cooperação internacional hoje deve também considerar as mudanças nas dinâmicas globais de desenvolvimento. Entre elas, novos paradigmas na “ajuda para o desenvolvimento”, tentando superar a lógica unilateral de doadores do Norte a governos e organizações do Sul, nos debates sobre descolonização,  “desenvolvimento global”[1] e “investimento público global”[2].

Em 2020, o Processo de Articulação e Diálogo (PAD) e a Associação Brasileira de ONGS (ABONG) realizaram a publicação “A Cooperação Internacional para o Desenvolvimento (CID) pós 2015: agendas para as Organizações da Sociedade Civil brasileiras” (Maria Elisa Huber Pessina e Elsa Sousa Kraychete). O presente documento tem os objetivos de atualizar este estudo, aprofundando elementos referentes às cooperações alemã, suíça, norueguesa, britânica, francesa e holandesa e o Brasil, compartilhando subsídios para futuras ações de incidência sobre a cooperação e oficinas de formação em cooperação internacional, visando ampliar a participação de organizações brasileiras neste debate.

Para cumprir esses objetivos, os estudos contaram com análises de documentos oficiais dos respectivos governos, da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE)[3], das tendências gerais das agências de cooperação com atuação relevante no Brasil, em uma identificação não-exaustiva de atores e foram realizadas trinta e oito entrevistas semiestruturadas com representantes de agências, redes, comitês de solidariedade com o Brasil, OSCs brasileiras e consultorias especializadas. Cada documento de país compreende os programas e principais focos da cooperação não governamental, oficial e as prioridades de ação, reflexões sobre as mudanças na conjuntura atual e efeitos pós pandemia de Covid-19, identificação de argumentos e questões para o aprofundamento da incidência das OSCs e conclusão em termos de sistematização dos aprendizados e reflexões atuais. Em alguns casos, conta com depoimentos de OSCs brasileiras sobre as relações históricas de parceria com agencias ecumênicas que foram importantes no Brasil e na própria constituição do PAD, e que já não atuam no país.

A cooperação não governamental europeia teve uma importante contribuição na construção e no fortalecimento  de grande parte das OSCs brasileiras nas décadas de 80 e 90. Hoje, por priorizações geográficas, desencontros temáticos ou pressões de seus públicos e governos, a maioria dessas agências já não está presente no Brasil. As dinâmicas da cooperação internacional estão sujeitas a múltiplos fatores que não permitem uma previsibilidade ou estabilidade de longo prazo. Crises econômicas afetando camadas mais vulneráveis da população, processos de secularização com impacto nas agências dependentes das  doações das bases das igrejas e drásticas mudanças de políticas externas e comerciais de alguns países que optam por apoiar suas ex-colônias, influenciam, muitas vezes de maneira determinante, a atuação das agências e suas parcerias no Sul Global.

Para reverter esses quadros, é fundamental ampliar a visibilidade das experiências brasileiras, fortalecer alianças com novas organizações europeias que, junto ou separadas das agências tradicionais, têm tido intensas ações de solidariedade com o povo brasileiro ao longo dos últimos anos e na compreensão da gravidade da situação vivida antes e durante a pandemia. Em décadas anteriores,  OSCs brasileiras manifestaram solidariedade, em diversas ocasiões, com as lutas de outros países, principalmente do Sul global,  também ao lado das políticas externas dos governos progressistas. Neste momento do Brasil, faz-se urgente uma coordenação ativa das OSCs de diferentes setores (movimentos indígenas, movimentos sociais urbanos e rurais, feministas, da comunidade LGBTQIA+, sindicatos e centrais, organizações baseadas na fé, igrejas e organizações ecumênicas) para repensar a mobilização política internacional, amplificando as denúncias dos atuais retrocessos (e atropelos) e gerando práticas de solidariedade política mais robustas.

Para ser efetivo, esse movimento, precisa equacionar a aparente contradição entre necessitar de solidariedade política e financeira e não se colocar, nem aceitar, um papel de “recipiente passivo, de vítima”[4], criando alianças políticas que ampliem a defesa da democracia, da justiça e dos direitos humanos, a partir de propostas conjuntas de incidência , tendo como horizonte um amplo leque de solidariedade e cooperação.

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