Trump e Jesus, ou o caminho de um novo messias

Paulo Mendes Pinto-

O chamado Mundo Ocidental, tal como o conhecemos, assente na Democracia, tem em si os mecanismos que nos defendem de milénios de opressão, a norma de governação até há muito pouco tempo. Hoje, as instituições funcionam para lá de quem lhes dá corpo; as pessoas passam pelos cargos e são substituídas por outras, e a sociedade mantém-se estável. Talvez seja esta uma das mais importantes marcas da passagem do mundo dos carismas para o das instituições, a passagem do universo do mito para o da racionalidade cartesiana.

A revolução coperniciana, o nascimento do Estado Moderno, a assunção da cidadania participativa, pareciam ter afastado irreversivelmente as formas sociais não reguladas ou não enquadradas institucionalmente. Mas nada de mais errado.

Os líderes das direitas populistas, para além de terem alimentado um discurso, seja contra a ciência, seja contra o Estado e as suas instituições, foram buscar como matéria dos seus sonhos pessoais o registo religioso, um dos englobantes mais eficazes.

Já tratei neste jornal a ligação construída entre Bolsonaro, Trump e o Rei Salomão (O rei Salomão, Trump e Bolsonaro: a simbologia bíblica que se torna infalível: https://www.publico.pt/2018/11/02/mundo/opiniao/rei-salomao-trump-bolsonaro-simbologia-biblica-torna-infalivel-1849527) e a sua espantosa funcionalidade. Hoje, dias após a acusação ímpar que parece poder levar Trump à justiça, verificamos um passo de contornos claros mas de resultados impossíveis de prever: Trump é equiparado a Jesus.

As redes sociais, especialmente o Twiter, encheram-se em poucas horas de analogias, colocando o sofrimento do antigo presidente norte americano ao nível do do messias cristão.

“Há dois mil anos Jesus compareceu diante do tribunal de Herodes por ser “inimigo do estado”. Agora, mesmo antes da Sexta-feira Santa de 2023, Donald Trump comparece perante um tribunal, por ser “inimigo do estado”. Isto vai ser Bíblico! O Mal deles vai ser visto por todo o mundo.”, diz-nos Red Collor, aproveitando o próprio calendário religioso pascal.

Numa muito difundida imagem de Jesus com Trump, na legenda afirma-se que “Jesus em lamento pelo Presidente Trump. É inacreditável que milhões estejam a rejeitar a sua sabedoria.”

Noutro post, Donnie Darkened desenvolve o tom profético: “Tenho estado a dizer desde o ano passado que a perseguição a Donald Trump se iria intensificar, e que ele possivelmente iria ser preso, imitando a perseguição feita a Jesus. Agora, Donald Trump enfrenta uma grande perseguição, apesar e ser “inocente”, está a ser martirizado como um cordeiro sacrificial.”

Na relação com o Estado, com as suas funções e instituições e, especialmente, na separação deste das igrejas -que é uma das conquistas mais importantes da modernidade- há muito que compreendemos que o caminho de muitas correntes evangélicas é o seu oposto, com a criação de “bancadas evangélicas”, como encontramos no Brasil, que se sobrepõem ao ideológico e pugnam por impor políticas assentes em leituras morais desse setor sobre toda a restante sociedade.

A este crescente e sistemático ataque às instituições, temos ainda que juntar às ferramentas desta revolução conservadora e de regressão civilizacional o regresso do pensamento mítico.

Podemos analisar a capacidade de pensamento crítico e a perda de capacidade lógica matemática, o que nos daria uma outra abordagem à capacidade da cidadania sobreviver a uma imponente incultura e iliteracia funcional. Mas hoje, com este caso aqui analisado, verificamos, no seu esplendor, o regresso da linguagem do mito.

Com uma narrativa que se apropria das imagens de Jesus, Trump é colado a essa mesma figura, especialmente na ideia de sacrifício. Tudo é material que consolida uma visão, mesmo que em quase nada ela seja semelhante à figura de Jesus. Mas, como o mito não se comprova no campo da lógica cartesiana, mas no da adesão e do assentimento, nada há a fazer para o destruir. O mito é estável e indestrutível.

O mito, aquele que, segundo Pessoa, era o nada que é tudo, é infalível, é inquestionável e é avassalador. Transportar Trump para um patamar de comparação com Jesus, é criar um referencial que, depois de colado, torna toda e qualquer derrota em prova da sacralidade da sua função. Nada mais terá de provar. O simples facto de existir, mesmo que derrotado, comprova a sua dimensão messiânica.

Fuente: https://www.publico.pt/2023/04/17/opiniao/opiniao/trump-jesus-caminho-novo-messias-2046279

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